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“As exigências sentidas pelos primeiros responsáveis das Oficinas de S. José de Lisboa no que diz respeito à existência de espaços e condições para o acompanhamento dos rapazes pobres de forma a perspetivar um futuro mais digno levou-os, como já verificámos anteriormente, a pensar na construção de raiz de um edifício adequado.” Linhas convergentes ______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Benemerência A edificação e desenvolvimento das diferentes presenças salesianas, desde o início da Obra, em Turim, e mais tarde em diferentes locais do mundo, obedeceu ao permanente contributo de entidades públicas e, em especial, particulares que partilharam pecúlios sempre insuficientes para concretizar materialmente as ideias de D. Bosco e dos sucessores. O sempre oportuno Boletim Salesiano sobreviveu igualmente, desde o primeiro número, quer em italiano quer nas outras línguas em que foi publicado, ressalvando, neste em particular, o português, “(…) sendo mandado grátis a todos o que o pedem; comtudo, isto não impede que digamos: Vinde em nosso auxilio para diminuirmos as grandes despezas que todos os mezes devemos fazer (…)” (1) Outras obras desenvolviam-se de forma galopante, por exemplo, nos territórios da América e na Europa. Concretamente em Portugal, na primeira década do século XX, nomeadamente em Lisboa, nas Oficinas de S. José, notou-se uma enorme dificuldade na materialização dos projetos. Este sentir perpassa numa carta datada de 20 de março de 1902 pelo punho de um cooperador: “Olhando, porém, para a nossa querida Patria, não vemos ainda essa acção tão salutar espalhada nas suas differentes manifestações especialmente na nossa Capital, na prasenteira e ridente Lisboa.” (2) Qualquer iniciativa obedecia a um já habitual pedido de apoio para as concretizações. Recorrer à propaganda das situações, aspeto caro a D. Bosco, e solicitar apoio foi urgente. O ambiente social, político e económico nas origens da fundação da obra salesiana, em Portugal, dificultou, a par de outros, a aceitação de instituições já existentes e o erguer, de raiz, de novas realidades. Tal facto surgia um pouco por todas as partes da geografia salesiana, incluindo no Brasil: “O dia 4 de Outubro de 1903 é uma data memorável para o Collegio Salesiano do S. Coração em Perbambuco pelo bazar que em favor das Escolas Profissionaes do mesmo collegio se realizou na Praça da Republica, promovido a esforços das incançaveis e insignes cooperadoras salesianas D. Angela Simões Barbosa e sua dilecta filha.” (3) Em Portugal, o Padre Luiz M. Maffini, agradecendo as noticias publicadas sobre as Oficinas de S. José de Viana do Castelo, afirma numa carta enviada ao jornal Vida Nova de Viana do Castelo a 2 de janeiro de 1905: “Venham, pois, os abastados da fortuna em nosso soccorro, senão em vista do proveito que d’ahi virá á sociedade, ao menos em vista dos próprios interesses: pois estes desgraçados que hoje foram deixados ao desamparo serão ámanhã aquelles mesmos com quem terão que lidar para conservar a paz da familia, a posse dos bens e até talvez a propria vida.” (4) A benevolência surgia, pois, como pedra primordial junto dos responsáveis pelo desenvolvimento das presenças salesianas. O Boletim Salesiano, recolector e fonte inestimável de informação coeva e agora histórica, elencou, durante anos, momentos em que o bem-querer se tornou mais acutilante e os principais protagonistas desses atos: “comfiados nos sentimentos de generosa caridade dos leitores, que ao lerem o Boletim se sentirão inspirados a ajudarem os filhos de D. Bosco nas suas empresas tão humanitárias e religiosas.” (5) As exigências sentidas pelos primeiros responsáveis das Oficinas de S. José de Lisboa no que diz respeito à existência de espaços e condições para o acompanhamento dos rapazes pobres de forma a perspetivar um futuro mais digno levou-os, como já verificámos anteriormente, a pensar na construção de raiz de um edifício adequado. Também aqui o apelo benemérito se fez sentir: “Para que porém, o desejo dos bons se realize pedimos aos nossos Cooperadores e Cooperadoras queiram tomar a obra debaixo da sua protecção“. (6) O próprio D. Bosco deu o exemplo desses apelos para apoio à sociedade: “o zelo de todos pronunciava-se admiravelmente, quando D. Bosco recorria á caridade publica por meio de rifas. Então os Cooperadores e Cooperadoras davam á porfia suas ofertas, iam á busca de outras, depois distribuíam os bilhetes e recebiam o seu preço, fazendo tudo isto com tanto amor e desinteresse, que edificava e comovia”. (7) Em Portugal, igualmente se acionou um processo de recolha de fundos através de festas e bazares. Em comunicação constante com os cooperadores, o Boletim Salesiano, ao longo dos meses e anos, levava essas notícias junto da comunidade: (…) porque só uma grande dedicação pelas Obras de D. Bosco, e um entranhado affecto á infancia desvalida, poderiam effectuar em tão brave lapso de tempo, uma exposição tão selecta de ricos e variadissimos objectos. (8) Suas majestades as Rainhas D. Maria Amelia e D. Maria Pia não faltaram com a sua valiosa cooperação, mandando riquissimos presentes. A fidalguia e o commercio contribuíram largamente para essa obra de caridade, que tanto interessa o povo portuguez. (9) No dia 14 de março, pelas 4 horas da tarde no Convento de Santos-o-Novo, realisou-se a tradicional procissão de nosso Senhor dos Passos (…) Logo apoz as funções religiosas deu-se começo ao Bazar que foi concorridíssimo. (10) No dia 22 de março realizou-se na casa da Ex.ma. Sra. Condessa Bruno, um importante Bazar em beneficio das Officinas de S. José. (…) onde se admiravam não só a riqueza das prendas, mas quadros artisticos, trabalhos de recamo e outras particularidades encantadoras. (11) No dia 15 de Abril effectuou-se no salão do Hotel Internacional uma festa em beneficio das mesmas Offinas de S. José. (12) Varios membros do corpo diplomático fizeram a sua comparencia e muitas outras pessoas cujos nomes seria ocioso enumerar. (13) Em Portugal, esse amplo movimento de ajuda à obra salesiana fez–se com o discernimento e sensibilidade da época, nas grandes famílias mais abastadas. Saldou-se esse apoio pela distribuição de quantias monetárias, acolhimento nas suas residências, abono de refeições e presença em momentos religiosos e culturais. “A festa do Santo Natal“, de 1901, dá à crónica, no Boletim Salesiano, a descrição “Embora a nossa capella fosse pequena e pobre, não deixou de ser frequentada por pessoas gradas da sociedade lisbonense, que acham certo prazer em assistir ás humildes funções que os Salesianos fazem, comemorando as principaes festas do anno”. (14) O resultado destas iniciativas, quer os valores quer o destino da quantia recolhida, era igualmente publicitado de forma muito clara: “De facto, passadas poucas horas, as prateleiras estavam vasias e a somma da venda elevava-se á bella quantia de 924$500! (…) Importante acquisição fizeram as Officinas com quantia tão elevada!” (15); “Sabeis, amaveis leitores, onde estão empregados os fructos dessas fadigas? Ide ver ao sitio denominado Prazeres.” (16) Os nomes dos numerosos apoiantes das obras salesianas eram elencados, no Boletim Salesiano, como tributo pelo seu apoio e como estímulo para outras personalidades abnegadas. Apresentá-los, neste recanto incompleto, será imperativo de escrito próprio. O Pe. José Maria Coelho lavrou um importantíssimo trabalho escrito, (17) conservado no arquivo da Província, sobre o elenco das figuras beneméritas das Oficinas de S. José de Lisboa, onde nomeia 38 personalidades que colaboraram diretamente com os Salesianos na edificação dos projetos almejados. Elencá-los tornar-se-ia cansativo embora de grande riqueza histórica: fica o número elucidativo do empenho que a sociedade do início do século XX dispensou aos sucessores de D. Bosco. Nos limites desta primeira década do século XX, recordando outros nomes que foram abordados em grafados anteriores, transcrevemos uma vez mais do Boletim Salesiano, como exemplo: Acabada a missa pararam os musicos no adro da egreja, emquanto duas gentis meninas, filha e sobrinha do Sr. Dr. Pinto Coelho, recorriam á generosidade de piedosas senhoras e ilustre cavalheiros. (18) O Papa, depois de ter recebido do mesmo Superior as mais elogiosas referencias, (…) acedeu (…) ornar o peito de varias e eximias bemfeitoras das Officinas de S. José de Lisboa (…) Os seus nomes aqui vão, (…) Eil-os: Mons, Francisco Herculano Cordeiro, Exmas. Sras. Marqueza de Gouveia, Condessa de Penha Longa, Condessa das Antas, Condessa Emma Bruno V. de Lapiè, D. Anna de Sousa Coutinho Mendoça, D. Luduvina Pinto Coelho. (19) Foi no dia 8 de outubro de 1905 (…) Voltamos pelo Monte Estoril onde paramos a cumprimentar uma das nossas mais insignes bemfeitoras, a ex.ma Sra. Viscondessa de Silva Carvalho (20) Durante o acto fez-se uma collecta em favor da nova construção para as Officinas aos Prazeres e venderam-se muitos bolhetes da rifa de um faqueiro de prata oferecido áquella instituição pela Ex.ma Sra. Condessa das Antas. (21) Contextualizada na descrição de um passeio ao Estoril realizado pelos alunos das Oficinas de S. José de Lisboa, em 1904, aponta-se: Não nos podíamos esquecer de outra nossa grande bemfeitora a Ex.ma Sra. D.a Claudina de Freitas Chamiço, a cuja extraordinária caridade tanto deve a pobreza de Lisboa e um sem numero de obras pias,(…) Padrão de gloria a immortalizar-lhe a patriótica benemerência ahi está o monumental sanatório de Paredes que rivaliza com os primeiros estabelecimentos congéneres da Europa. (22) Sahindo do palacio, fomos cumprimentar algumas illustres familias, bemfeitoras das Officinas, (23) Convidados pelo Exmo. Sr. José Joaquim da Luz Rumina foram, em dia de Paschoa, áquella sympathica villa os nossos músicos e cantores. (24) Nosso Senhor abençoe e proteja sempre esses nossos amigos e bemfeitores, os quaes, tendo recebido ultimamente o Diploma de Cooperadores Salesianos entraram a fazer parte da grande Familia de D. Bosco. (25) O jantar foi generosamente oferecido pelo Exmo. Sr. José Pedro Frade, Digmo. Vice-Consul da Republica Argentina. (26) Igualmente o governo e outras instituições mereceram nas páginas do Boletim Salesiano o agradecimento público dos Salesianos pelo apoio recebido. Embora tarde, não devemos deixar de archivar aqui a ida dos nossos musicos e de uma deputação de alumnos das Officinas a Braga, para as festas do jubileu da Immaculada. Todos sabem quão grandes são as despezas que se dvem fazer para uma viagem destas, não obstante os grandes abatimentos em tempo de peregrinação; era-nos pois, materialmente impossivel tomar parte nos festejos, se não fôra a mão generosa de uma pessoa benemérita, que nos proporcionou os meios para tal fim. Os nossos músicos e mais alguns rapazes sahiram de Lisboa sabbado de madrugada (11 de Junho), numa carruagem engatada ao comboio especial dos briosos alumnos do Colegio de Campolide. Tal fineza devemol-a á amabilidade do Dig.mo. Director deste estabelecimento de ensino, o Rv.mo Sr. P.e Luiz Gonzaga Cabral. (27) Este excerto enquadra-se no contexto da peregrinação nacional realizada em 1904, nos dias 11 e 12 de junho, no 50.º aniversário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição, ao Sameiro, para coroação da Estátua da Virgem Imaculada. Publicado em dezembro de 1903, alude-se a um novo passeio realizado a Setúbal, pela Rua do Sacramento, à Lapa, no mês de agosto (dia 30) no ano de 1902: “Como, porém, devemos ao Governo o termos podido dar este esplendido passeio, porque nos franqueou gratuitamente a passagem de Lisboa até Setúbal e vice-versa, não podemos ocultar a nossa profunda gratidão para com as pessoas que nos concederam tal fineza.” Conclui esta síntese o excerto de clareza e rigor histórico, datado de 1948, onde o Pe. Bartolomeu Valentini, atendendo à realidade do Asilo de Santo António do Estoril, partilhou com os leitores alguns suportes da instituição a nível financeiro: “Excluindo o subsídio anual de quarenta contos, fruto de uma soma que a legatária pôs a render no Banco, tudo provém do nosso ministério sacerdotal e sobretudo da beneficência. Há muitas almas generosas no Estoril, felizmente. A “Festa da Mata”, verdadeira festa da caridade, tem sido a chave de muitas dificuldades. Realizou-se pela primeira vez em 1934 e rendeu a soma então avultante de 7.000$00. Esse resultado foi aumentando progressivamente todos os anos e de tal modo que a festa realizada em 29 de Agosto p. p. rendeu a bela cifra de 124.000$00.” (28) __________________________________________________________________ (1) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Março 1902. N.II. (2) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Abril, 1902. N.3. (3) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Agosto de 1904, N. 8. (4) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IV, Março de 1905, N. 3. (5) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I, Fevereiro 1902, N.I. (6) Ibidem. (7) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I, Março, 1902, N.II. (8) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Junho – 1902. N.5. (9) Ibidem. (10) Ibid. (11) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II. Agosto – 1903. N.8. (12) Ibidem. (13) Ibid. (14) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Março 1902. N.II. (15) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II. Agosto – 1903. N.8 (16) Ibidem. (17) Coelho, José Maria, Crónica – Oficinas de S. José – 1896, 1938. (18) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II. Fevereiro – 1903. N.8. (19) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III. Fevereiro de 1904. N.2. (20) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IV. Dezembro de 1905. N.12. (21) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IV. Agosto de 1905. N.8. (22) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IV. Janeiro de 1905. N.I. Na referência ao “sanatório de Paredes” corrigimos o indicador, pois trata-se da localidade de Parede, na linha do Estoril e não na atual cidade de Paredes, da área metropolitana do Porto. (23) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II. Fevereiro-1903. N.2. (24) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Julho de 1902. N. 6. (25) Ibidem. (26) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno I. Julho de 1902. N. 6. (27) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Setembro de 1904, N.9. (28) D. Bosco, Revista das Obras e Missões Salesianas, Ano VII, Número 60, Setembro-Outubro.1948.