“ O telegrapho acaba de transmittir a desoladora noticia de mais um regicídio (…)”

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No Boletim Salesiano de março de 1908 lê-se “O telegrapho acaba de transmittir a desoladora noticia de mais um regicídio (…)”. (4) Cumulativamente se fazem referências à família real e às benfeitorias desenvolvidas por esta a favor das obras salesianas em Portugal. Linhas convergentes _______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. 1908 – O Regicídio O ambiente político que se desenrolava em redor dos primeiros anos da presença salesiana em Portugal e em Lisboa, em particular, apresentava-se de grande instabilidade política e social sem desarredar o aspeto económico. As dificuldades sentidas (1) neste período foram elencadas sumariamente em escritos anteriores. Incidimos hoje, em particular, sobre o regicídio de 1 de fevereiro de 1908. Quase dois anos após a inauguração das novas instalações das Oficinas de José , nos Prazeres, Lisboa é palco do desaparecimento violento do rei D. Carlos I e do príncipe herdeiro. De acordo com as palavras de Manuel Pinheiro Chagas, (2) “Passa uma hora sinistramente trágica sobre a terra portugueza.” (3) No Boletim Salesiano de março de 1908 lê-se “ O telegrapho acaba de transmittir a desoladora noticia de mais um regicídio (…)”. (4) Cumulativamente se fazem referências à família real e às benfeitorias desenvolvidas por esta a favor das obras salesianas em Portugal. Da imprensa e dos fortes testemunhos sobre o regicídio, leem-se, a título de exemplo, na revista Occidente, (5) três curiosos e valiosos momentos da sequência após o acontecimento: 1 – “Da tragica cena que se passou na Praça do Comercio, não podemos apresentar nenhum desenho a nossos leitores pela razão, facilmente comprensível, do imprevisto do caso e não estar ali na ocasião nenhum fotografo ou desenhador.” 2 – “Após a proclamação de El-Rei D. Manuel II, reunio o Conselho de Estado presidido pelo novo monarca e com a assistencia das Rainhas Senhoras D. Amelia e D. Maria Pia. (…) Mandou El-Rei convidar o sr. Conselheiro Ferreira do Amaral para tomar esse encargo (…)” de formar governo. 3 – “O novo ministério: Conselheiro Contra-Almirante Ferreira do Amaral, Presidente do Conselho e Ministro do Reino; Conselheiro Manuel Affonso Espregueira, Ministro da Fazenda; Conselheiro General Sousa Telles, Ministro da Defesa; Conselheiro Vice-Almirante Augusto de Castilho, Ministro da Marinha e Ultramar; Conselheiro Calvet de Magalhães, Ministro das Obras Publicas; Conselheiro Campos Henriques, Ministro da Justiça; Conselheiro Wenceslau de Lima, Ministro dos Estrangeiros.” O episódio trespassou a sociedade portuguesa de forma contundente. O Boletim Salesiano não ficou indiferente a estes tumultuosos tempos e fez eco das movimentações realizadas, no seio da comunidade salesiana de Lisboa, embora igual sentir existisse nos outros ambientes salesianos. O relato dos acontecimentos vividos nesse dia 1 de fevereiro de 1908 ficaram a cargo de Júlio de Castilho, (6) através das palavras profundamente sentidas e da ardente enfâse que colocava nos seus escritos, no jornal Portugal, de que o Boletim Salesiano coevo transcreveu algumas partes. A profunda sensibilidade de Júlio de Castilho está patente em dois episódios, relatados por Anselmo Braamcamp Freire, (7) em 29 de março de 1919. (8) O primeiro, sobre a dedicação que Júlio Castilho devotava aos animais: alteração do nome do seu cão, passando de “Dick” a “Dique”, aquando do Ultimato de Inglaterra a Portugal. O segundo episódio, sobre a tristeza sentida pela morte do seu fiel amigo. De notar que Castilho escreveu várias vezes sobre a defesa do bem-estar animal. De acordo com a fonte, (9) os acontecimentos do dia 1 de fevereiro de 1908 despertaram um conjunto de iniciativas, a saber: “(…) orações da comunidade pelo eterno descanso do saudosíssimo D. Carlos e seu dignissimo Filho o Principe Real. Resaram-se varias Missas pela mesmo intenção. Citando o jornal Portugal de 8 de fevereiro, o Bolletim Salesiano dá a conhecer que os alunos das Oficinas de S. José “(…) sahiram do estabelecimento em forma, acompanhados da sua bandeira velada de preto, às 8 horas.” (10) Na capela das Necessidades, o Provincial, Pe. Pedro Cogliolo celebrou missa e “Todos os alumnos, em presença das urnas (…) estavam muito commovidos.”(11) O Boletim Salesiano publicou as fotografias das vítimas deste atentado e, sobre D. Manuel II, refere “Nós pediremos ainda com o melhor fervor de nossa alma que o Altissimo se digne conceder ao novo Rei annos de dilatado e venturoso reinado” (12) Em nome de todas as presenças salesianas de então, o Provincial apresentou as condolências no Paço Real. D. Rua endereçou igualmente uma missiva ao Pe. Pedro Cogliolo, “(…) na qual manifestava sua profunda magua e desolação,(…) e encarregava-o de apresentar ao novo Rei e a Suas Magestades as Rainhas D. Amelia e D. Maria Pia as condolências da família Salesiana espalhada por todo o mundo(…)”. (13) Também em Braga, no Colégio dos Órfãos de S. Caetano, se celebrou missa presidida pelo P. José Maria Coelho. (14) O Pe. Coelho foi diretor das presenças salesianas Colégio dos Órfãos e das Oficinas de S. José de Lisboa, esta última entre 1908 e 1910. (15) De Braga, enviou-se telegrama “A sua Majestade El-Rei D. Manuel II.” (16) A resposta, em agradecimento, foi despachada pelo Conde d’Arnoso. (17) Por último, nesta breve síntese, um aliciante realce num pequeno apontamento sobre o regicídio, numa missiva enviada pelo Pe. Martinho Recalcati a D. Rua, endereçada de Moçambique, no dia 13 de março de 1908. Nela se refere a paragem do navio Portugal na Madeira, no dia 3 de fevereiro, rumo àquele território africano “ Foi aqui, n’este recanto do paraiso, que tivemos conhecimento do cruel delicto do duplo assassinato da Família real de Portugal.”(18) O mau tempo sentido e as vagas alterosas imperaram: “ O mar esteve assim por dois dias, e finalmente pude dizer Missa em suffragio dos dois infelizes.” (19) __________________________________________________________________________ (1) Garcia, José Manuel, História de Portugal – uma visão global , Editorial Presença, p. 212, 1981, Porto. (2) Álvaro Pinheiro Chagas era filho do escritor Manuel Pinheiro Chagas. Dedicou-se ao jornalismo e viveu os conturbados momentos desse final do século XIX e início do XX. (3) Diario Illustrado – Regenador-Liberal , Domingo, 2 de Fevereiro de 1908, N.º 12:453. (4) Boletim Salesiano – Revista das Obras de Dom Bosco , Anno VII, Março de 1908, Vol. II – N. 3 (5) Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro , 31.º Anno – XXXI Volume – N.º 1048, 10 de Fevereiro de 1908. (6) Visconde de Castilho nasceu no dia 30 de abril de 1840, em Lisboa, e faleceu a 8 de fevereiro de 1919, na mesma cidade. Ilustre personagem do final do século XIX e princípios do século XX, desenvolveu épica presença na sociedade do seu tempo como escritor, político e poeta. Interessante referir, além de outros importantíssimos serviços, a sua presença como professor de história e literatura do príncipe D. Luís, filho primogénito de D. Carlos I e D. Amélia. (7) Nasceu a 1 de fevereiro de 1849 e faleceu a 23 de dezembro de 1921. Foi historiador, genealogista, arqueólogo e político. (8) “Castilho amigo dos animais”, In Memoriam Júlio de Castilho (2º Visconde de Castilho), Lisboa, 1920. (9) Boletim Salesiano – Revista das Obras de D. Bosco, Anno VII, Abril de 1908, Vol. II – N. 4. (10) Ibid. (11) Ibid. (12) Ibid. (13) Ibid. (14) Nasceu em Braga em 1875 e faleceu no Estoril em 1942. Primeira ordenação salesiana portuguesa (1897). (15) Anjos, Amador, Centenário da obra salesiana em Portugal – 1894-1994 , Lisboa, 1995. (16) Boletim Salesiano – Revista das Obras de D. Bosco , Anno VII, Abril de 1908, Vol. II – N. 4. (17) Bernardo Pinheiro Correia de Melo nasceu em Guimarães, em 27 de maio de 1855, e faleceu em Vila Nova de Famalicão, em 21 de maio de 1911. Foi membro do grupo Os vencidos da vida . Amicíssimo de D. Carlos I, exerceu os cargos de oficial às ordens e seu secretário particular. Foi igualmente agraciado por D. Carlos I com o título de 1.º Conde de Arnoso em 1895. Brilhante escritor, aproveitou a sua desinquieta vida para transparecer nas obras escritas as suas vivências a par de numerosas participações na imprensa da época. (18) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco , Anno VII, Agosto de 1908, Vol. II – N. 8. (19) Ibidem.