| “Os inovadores e os guardiões da velha ordem” |

> Seara > | “Os inovadores e os guardiões da velha ordem” |

| “Os inovadores e os guardiões da velha ordem' |

OS INOVADORES E OS GUARDIÕES DA VELHA ORDEM
(ou, pequeno grito de revolta que dedico a todos os Professores que não compactuam com a lógica da servidão irracional)
 
Sim, eu sei que hoje não é terça-feira. Mas todos os dias devem ser TEMPO DE PROCURA. E não posso esperar até terça-feira para gritar o que me vai na alma.

Um episódio que me aconteceu hoje fez-me revisitar um texto publicado pelo Professor Matias Alves no seu blogue Terrear, em 28 de dezembro de 2009. E batizei esta crónica com o título desse texto, pois não encontraria melhor título para aquilo que me leva a escrever hoje.
Nesse mesmo texto pode ler-se:

“Sabe-se, pelo menos desde o Príncipe de Maquiavel, que ‘os inovadores criam inimigos em todos os que prosperam sob a velha ordem’. Daí que seja pertinente procurar saber quem é que prospera na velha ordem educativa (da centralização, do insucesso, da uniformidade, da desresponsabilização, da desautorização….). Ensaiemos algumas hipóteses.

Na velha ordem prosperam os partidários do centralismo, mesmo quando proclamam
as virtudes da descentralização e da autonomia. Prosperam quando se julgam insubstituíveis, quando mandam aplicar urbi et orbi as regras e os procedimentos que fazem a igualdade formal em nome de um simulacro de justiça.

Prosperam as indústrias de explicações privadas que se alimentam da seletividade do sistema e aumentam a desigualdade de oportunidades.

Prosperam os amantes da rotina, da certeza, da estabilidade e do status quo que preferem as aparências e o faz-de-conta, o consenso estéril e a estabilidade que a nada conduz.

Prosperam os que estão professores à míngua de alternativa profissional, os gestores
sem carisma, os funcionários profissionais acomodados.

E todos estes realizam, a seu modo, a ‘fagocitose do inovador’. Quando um professor executa uma atividade inovadora que rompe com as rotinas e interpela os seus colegas, estes começam por reagir desvalorizando quem faz a proposta e produzindo um sem-número de estratégias destrutivas visando a manutenção da velha ordem.”

O que me levou a revisitar este texto foi uma situação que vivi hoje numa aula na qual vários professores apresentavam os projetos de intervenção que pretendem levar a cabo nas suas escolas. A professora L., entusiasmada, apresentava o seu projeto que pretende criar condições para a implementação de práticas mais colaborativas entre docentes, promotoras de mais aprendizagem para todos. À medida que ia apresentando o projeto, os restantes colegas, e eu própria, fazíamos sugestões e discutíamos possibilidades. E a professora L. muito embora concordando com elas, ia relatando situações de resistência por parte dos seus colegas que pareciam inviabilizar as sugestões que íamos dando. A certa altura, um dos professores pergunta: “Não é frustrante querer fazer diferente, querer fazer melhor e encontrar sempre essas resistências?” Fez-se um silêncio ensurdecedor. Os olhos da L. ficaram marejados de lágrimas. Terão passado alguns segundos até se fazer ouvir a resposta (os segundos mais longos que vivi nos últimos tempos…) “Sim… É muito frustrante.” Confesso que nessa altura fiquei com um nó na garganta que permaneceu por toda a aula Controlada a emoção, a reflexão em torno do projeto prosseguiu.

No intervalo, todos saíram, menos a L.. Permaneci na sala e ficámos as duas sozinhas. Tentando conter o rio que corria nos seus olhos e lhe embargava a voz, a L. desabafou: “Estou farta, farta! Já não aguento. Há 15 anos que me dedico aquela escola, que me dou por completo, que faço de tudo para todos podermos estar melhor, mas é sempre a mesma coisa. As pessoas não querem. Não ligam. Já não sei o que fazer.” E prosseguiu, contando alguns episódios que ilustravam a insensibilidade e mesmo crueldade que grassa entre colegas de profissão. Gelei. Tive o impulso de lhe dar um abraço, mesmo sabendo que aquele abraço nunca poderia curar a mágoa que provinha daquele desalento profundo.

“Estou a tornar-me uma pessoa amarga. E eu não sou assim… Para quê? Para quê tudo isto?” Já não me lembro bem do que disse na altura… Tentei confortá-la. Lembro-me que lhe disse que não estava só. Mas há outras coisas que lhe queria ter dito e não consegui dizer. Porque fiquei transtornada. Revoltada com a crueldade e injustiça para com quem acredita que pode construir uma escola melhor e tudo faz para o conseguir. Pairavam na minha cabeça as palavras do Príncipe de Maquiavel: “os inovadores criam inimigos em todos os que prosperam sob a velha ordem…”, ali, naquele mesmo instante, materializadas.

Mas agora, tenho que dizer:

Querida L., tenho tanto orgulho em conhecê-la, a si e a tantos outros professores que, tal como a L., não desistem de ‘inventar dias mais claros’. Eu sei que é difícil vencer os ‘guardiões da velha ordem’. Sinto-o frequentemente na pele, em várias escolas por onde vou passando. Ouço o eco das suas palavras nas palavras de tantos outros professores que se sentem a remar contra a maré. E sei que há dias em que a deceção nos quer sair pelos olhos, como hoje. Mas não desista. Porque são os Professores como a L. que fazem a diferença. E é preferível estar vivo na profissão, ensaiando novas possibilidades de ação, mesmo quando poucos se permitem ver, do que estar morto e não o saber. Alegre-se, querida L.. Porque tem rasgo, e luz e garra. E porque a sua garra, pela qual é tantas vezes agredida, é simultaneamente a força de quem a si se junta nesta luta contra a hipocrisia das promessas educativas reiteradamente enunciadas e sistematicamente não cumpridas. Não desista. Porque como afirmava José Matias Alves no texto que aqui retomei, “é urgente criar condições para que os inovadores prosperem e o rebanho tenha cada vez menos seguidores”.
Alegre-se, querida L., por não fazer parte do rebanho… 

Ilídia Cabral | 12 de março de 2016