1961, a invasão indiana e a presença salesiana na Índia

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Linhas convergentes ________________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.   1961, a invasão indiana e a presença salesiana na Índia   Nas diferentes abordagens realizadas procuramos sintonizar o desenvolvimento da Obra Salesiana e os percursos económicos, políticos e sociais do território português no decurso de várias sensibilidades governativas. Estão os Salesianos presentes na História geral do país e nela a sua contextualização é uma realidade. Documentos escritos encontram-se, abundantes e de grande riqueza, no Arquivo Histórico da Casa D. Bosco, Pe. Amador Anjos, sobre o sentir de diferentes factos.   Fazendo lastro no pensamento do parágrafo anterior, surge, entre outros, a invasão de Goa, no território indiano, no ano de 1961. Aí, encontra-se a presença salesiana, marcada por uma vivência relevante no campo missionário e entrosamento com as populações locais. O documento fotográfico que acompanha este texto testemunha esse facto.   A riqueza de informação é profunda. Da observação executada, destacámos, entre muitas outras, duas descrições análogas, intituladas Goa e os Salesianos nas horas amargas da «libertação » e Relatório dos acontecimentos em Goa , sobre o acontecimento ocorrido em 1961. O primeiro encontra-se datado de 12 de julho de 1962 e o segundo é assinado pelo Pe. Manuel de Bastos Pinho. As explanações apresentam os momentos vividos nessa data e o testemunho dos salesianos contemporâneos dessa realidade.   Nestes documentos, a par de tantos outros que cruzam a história da presença salesiana com   a História de Portugal, pulsam os instantes inquietantes do movimento bélico proveniente da União Indiana e o seu engaste nos ambientes portugueses. Foram, naqueles tempos, três dias de sobressalto que ficaram talhados na imperecível memória. Analisamos, nestes escritos, os documentos elaborados por quem viveu os acontecimentos e a forma como os relevou, não esquecendo, naturalmente, o substrato político então vigente.   Momentaneamente, recuemos na ordem cronológica para maio de 1946, (1) quando um grupo de salesianos funda, na diocese de Goa, um Oratório Festivo, (2) que rapidamente se desenvolve e se torna carente de mais espaço e empenho. O primeiro obreiro, entre outros, no território de Goa foi o Pe. Vicente Scuderi, (3) que não hesitou em escrever: “Há só dois meses que os filhos de D. Bosco chegaram a esta cidade, e já muitos jovens frequentaram com visível aproveitamento o Oratório Festivo e Quotidiano, a Escola de Artes e Ofícios, a Escola Nocturna e a Escola do Ensino Primário, (…) Temos necessidade duma casa e terreno apropriado”. (4) Claramente, uma obra de beneficência sempre necessitada de apoio, o qual, lentamente, foi chegando a esta presença salesiana. Importa realçar o bom acolhimento manifestado pelos goeses à presença portuguesa e aos Salesianos, em particular.   Até 1960, o desenvolvimento das obras salesianas foi de extraordinária exuberância, estando, contudo, dependentes da província de Madrasta. A jurisdição portuguesa foi obtida em 1960. No ano seguinte, a invasão indiana afastou a presença portuguesa e assegurou o retorno à influência da província de Madrasta.   Focalizámos, por critérios de síntese, a atenção num único documento e no relato específico da invasão indiana, anteriormente indicado.   Intitulado Goa e os Salesianos nas horas amargas da «libertação»,  o documento apresenta-se em sete folhas dactilografadas e está datado de Lisboa, 25 de julho de 1962. À guisa de introdução, faz-se uma contextualização do acontecimento e pequenas apreciações sobre a situação vivida e o seu começo, no ano de 1954, com momentos de violência e a influência da All India Radio , rádio nacional indiana, no ambiente geral do território. As movimentações da tropa indiana faziam-se sentir diariamente, o que originou o reagrupamento das tropas portuguesas destacadas no território. De acordo com o documento, no dia 12 de dezembro iniciou-se o movimento de evacuação das mulheres e crianças. Este movimento envolveu, naturalmente, os alunos da escola salesiana de Pangim e as centenas de jovens que aí ocupavam o internato e o externato. A debandada das crianças aconteceu no dia 16, antecipando uma semana o início das férias. Curioso é de referir a aparente naturalidade dos acontecimentos e praticamente o dia a dia ordinário. Destaca-se, no dia 17, a assistência de uma sessão recreativa, numa localidade perto da última toponímia aqui referida e a presença do Patriarca, D. José Vieira Alvernaz, e da esposa de Vassalo e Silva. (5) Ficou notória, nesta descrição, a enorme preeminência da figura de S. Francisco Xavier, através da peregrinação ao lugar onde se encontrava depositado o santo considerado o Apóstolo do Oriente .   No dia 18, e após uma noite tranquila, no espaço escolar, a realidade bélica fez-se sentir com explosões, aviões no bombardeamento à Emissora de Rádio e o ataque ao aeroporto por parte das forças indianas. Os alunos que ainda se encontravam no espaço salesiano não tiveram qualquer possibilidade de movimentação devido à interrupção do trânsito. No final da manhã desse dia o navio de guerra denominado “Afonso de Albuquerque”, vulgarmente designado “aviso” foi neutralizado por cinco navios de guerra indianos. A intensificação dos combates expôs de forma preocupante as instalações dos Salesianos, pois estas situavam-se exatamente no local mais visível do conflito. Esta situação obrigou a uma tomada de posição por parte dos superiores e todos os que se encontravam sob a proteção dos Salesianos refugiaram-se na igreja da freguesia de Taligão, onde o Procurador da República encontrou igualmente proteção.   No dia 19 de dezembro de 1961 o exército indiano entra definitivamente em Pangim desfilando perante a população na qual se encontram os Salesianos. Aqui se faz a descrição das explosões que destruíram as pontes para dificultar a movimentação em cumprimento de planos militares para defesa do território (as estratégias militares desenvolvidas, quer pela União Indiana quer por Portugal, encontram-se explanadas no excelente artigo do Tenente-General António de Faria Menezes, A queda do Estado Português da Índia ). (6) Os relatos documentados no dactilografado apresentam uma certa apatia da população goesa aos acontecimentos, inclusive no hastear da bandeira indiana, no mastro principal. O pessoal salesiano testemunhou o encontro do Governador-geral com o Comandante das forças indianas, em que se notou a posição de rejeição perante o conflito por parte do representante português. Testemunharam ainda o aparecimento de campos de concentração para os nacionais e a assinatura do acordo de cessar-fogo entre as duas partes em discordância.   No dia seguinte, foi preso o Procurador da República e iniciou-se um período de extrema confusão no território, com roubos, agressões e ocupação de casas. Os Salesianos ficaram, nesta altura, imunes a esta situação e em simultâneo relata-se a chegada dos alunos junto das suas famílias.   Uma certa acalmia possibilitou uma saída dos elementos salesianos pelas propriedades que lhes pertenciam. A viagem por esses lugares dá conta dos encontros com tropas indianas e algumas exigências requeridas assim como permitiu uma observação do ambiente vivido e o encontro com notícias, nomeadamente de carácter militar e político, como o avistamento de um navio russo na localidade de Mormugão.    O relato de 22 de dezembro indica-nos a ausência de água na cidade de Pangim, sendo esta fornecida pelo poço existente no espaço salesiano que se revelou um contributo imprescindível no apoio à população. As forças indianas ocuparam igualmente esse espaço, procurando realizar lavagem de roupa e higiene pessoal, o que aumentou substancialmente a ocupação e trouxe um surto de tifo com 53 alunos infetados, não se registando casos mortais. Neste preciso dia, foi decretada a extinção da organização Mocidade Portuguesa.   O dia 23 de dezembro foi marcado pela realização de um comício pelas entidades indianas e de algumas reuniões em que se apontou a presença de elementos do clero diocesano.   Nestes curtos flashes diários, pausa para relatar uma opinião sobre a imprensa e o apoio dado à invasão indiana. Claramente, destacou-se o jornal A Vida . O autor de alguns artigos publicados neste órgão de informação escrito não encontrou apoio público às suas opiniões e necessitou de proteção na cidade de Bombaim.   No dia de Natal, sem o ambiente de anos anteriores, o dia foi de romagem junto do corpo de S. Francisco Xavier, na Basílica do Bom Jesus de Goa. Nela tomaram parte os Salesianos e uma imensa multidão. O documento termina a sua exposição, salientando três vertentes: a questão do operariado e dos empregados públicos, o ensino e a atitude dos goeses perante a situação.  Nestas três sensibilidades encontram-se as respostas dadas pelos Salesianos no apoio afável prestado até quando foi possível neste contexto.   A presença portuguesa na Índia termina com a sua saída forçada, no ano de 1962. __________________________________________________________________________ (1)      Recorda-se que a presença portuguesa no território indiano remonta a 1906 e 1909 com a fundação do Orfanato de S. Francisco Xavier, em Tanjor, e do Orfanato de S. Tomé Apóstolo, em Meliapor, respetivamente. (2)      Com o dealbar da implantação da República, em 1910 as presenças salesianas anteriormente referidas terminaram o seu desenvolvimento. (3)      A citação imediatamente transcrita surge numa missiva enviada de Nova Goa pelo Pe. Vicente Scuderi no dia 1 de julho de 1946. (4)      Dom Bosco, órgão dos cooperadores salesianos em Portugal , Ano V, Número 49, Agosto-Setembro, 1946. (5)      Manuel António Vassallo e Silva foi governador-geral do Estado Português da Índia de dezembro de 1958 a dezembro de 1961 durante a Invasão da União Indiana. A sua rendição conduziu-o à demissão das Forças Armadas. Foi readmitido após o 25 de abril de 1974. In. https://acpc.bnportugal.gov.pt/colecoes_autores/n90_silva_vassalo.html (6)      MENEZES, António de Faria, “A Queda do Estado Português da Índia 1954-1962”. Revista Portuguesa de História Militar – Dossier: Início da Guerra de África 1961-1965 . [Em linha]. Ano I, nº 1 (2021). [Consultado em], https://doi.org/10.56092/EXCF1300