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As datas de 1899 e 1906 atraem, neste particular, a nossa atenção pela ligação que a personalidade de D. Miguel Rua exerceu ao pisar o território de Portugal, numa época agitada da nação portuguesa. A segunda data marca a inauguração do edifício centenário que domina imperturbável o pátio dos Salesianos de Lisboa. A primeira trouxe D. Rua até Lisboa: “A bela capital parecia querer dispensar-lhe o mais honroso acolhimento.” Linhas convergentes _____________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. 1910 – Um ano desinquieto O final da primeira década do século XX computou-se pelos numerosos acontecimentos quer a nível mundial quer no espaço português. Abordando amiúde este conjunto cronológico, procuro frisar de forma incisiva a importância que este ano de 1910 teve na nossa História e, uma vez mais, o entrelaçar dos acontecimentos nacionais com a História da presença salesiana em Portugal. José Manuel Garcia resume com linhas firmes o percurso republicano: “A 5 de Outubro de 1910, enquanto o rei fugia para a Inglaterra, a república foi proclamada telegraficamente ao resto do país, onde se aceitou sem grandes problemas o novo regime político, verificando-se apenas a mudança de algumas personalidades e a conversão de outras à nova situação”. (1) É nesta alteração por novas ideias políticas que encontramos as Oficinas de S. José e o comprometimento à sua ampliação, neste período. Tópico sempre cativante com contornos entusiasmantes que arrebatam quem escreve e quem lê. Não é este tema que nos preocupa neste ensaio! As datas de 1899 e 1906 atraem, neste particular, a nossa atenção pela ligação que a personalidade de D. Miguel Rua exerceu ao pisar o território de Portugal, numa época agitada da nação portuguesa. A segunda data marca a inauguração do edifício centenário que domina imperturbável o pátio dos Salesianos de Lisboa. A primeira trouxe D. Rua até Lisboa: “A bela capital parecia querer dispensar-lhe o mais honroso acolhimento.” (2) Em escritos anteriores, abordámos o conteúdo específico de cada data. Guardámos para estas linhas a perspetiva perante o desaparecimento da figura sucessora de D. Bosco, em Portugal. A fonte de informação jorra do Boletim Salesiano do ano coevo. O Pe. Miguel Rua nasceu e faleceu em Turim, respetivamente nos anos de 1837 e 1910. Desde criança, “Miguel era dotado de excelente memória. As lições do catecismo diocesano, em que se iniciava, ficavam definitivamente impressas no seu espírito, e a sua espiritualidade ficará marcada por elas até ao fim da vida.” (3) Ponderemos no ano de 1910. As palavras enviadas no início do ano de 1910, intituladas “Carta annual do Sacerdote Miguel Rua”, (4) incluem referências a aspetos sentidos nas diferentes geografias onde a presença salesiana se fazia sentir e envolvendo inclusive o território português, no caso concreto “Na cidade do Porto (Portugal) se aceitou o Orphanotrophio da Real Oficina de S. José, fundada em 1883 pelo então Revmo. Snr. P. Sebastião Leite de Vasconcellos, hoje Bispo de Beja, quem se ufana de ter recebido de nosso Pae e Fundador (…) a promessa de que um dia os Salesianos lá iriam em seu auxílio.” (5) Estas afirmações contextualizam-se no título “Obras levadas a cabo em 1909“, (6) onde igualmente se discorre sobre “Moscellia na cidade de Moçambique, ilha omonyma da Africa; onde os Salesianos estabeleceram uma residência destinada a uma Escola Agricola, mas ao seu tempo será um ponto de partida para a evangelização …” e “… em Viana do Castello em Portugal se concluiu o edifício “.(7) As palavras finais do Reitor-Mor para este ano de 1910 surgem na consolidação das obras existentes e na importantíssima tarefa missionária no ano do Jubileu Sacerdotal do Pe. Rua. Exemplos, por ventura banais, mas que que nos transmitem a força que sempre transpareceu na sua vivência como continuador excecional da obra salesiana herdada de D. Bosco. Em abril de 1910, o Boletim Salesiano aborda o estado de saúde do Pe. Miguel Rua. Evolução lenta desde janeiro desse ano, prognostica uma “myocarditis senil”. (8) Neste ano, final da década, no Boletim Salesiano surgem com particular acuidade a análise e a descrição, “em estylo romântico, aliás nos detalhes predomina o gothico ”, (9) e, em elaborada documentação fotográfica, o mausoléu de D. Bosco, em Valsalice. A ele voltaremos mais à frente. Entretanto a preparação da “Homenagem e Festejos para o jubileu sacerdotal do Revmo. Sr. Dom Miguel Rua” (10) estava a cargo de uma comissão promotora que, presidida por ilustres identidades do reino de Itália, tinha como convicção que “O dia 29 de Julho de 1910 marcará para o Revmo. Sr. D. Muguel Rua o cincoentenario de sua ordenação sacerdotal.” (11) Em Portugal, o responsável por estes aprestos foi o Pe. Luiz Sotera da “Real oficina de S. José (Portugal Porto)”. (12) Numerosas foram as atividades programadas de onde se destacava a Exposição das Escolas Profissionais Salesianas do mundo. D. Miguel Rua morreu no dia 6 de abril de 1910, no Pontificado do Papa Pio X e reinado de Victor Manuel III de Saboia. A notícia foi apontada no Boletim Salesiano de maio desse ano. (13) Foi sepultado no dia 9 de abril, no mausoléu sucintamente descrito nas linhas anteriores. A descrição da sua vida foi intensamente narrada no Boletim Salesiano que foi pequeno para a dimensão da vida de D. Miguel Rua. As publicações seguintes, nos meses de junho, julho, agosto e setembro, continuaram com a súmula da sua vida de forma extensa e profunda, transmitindo toda a riqueza nela contida. A descrição dos últimos dias iniciou-se em 14 de fevereiro e estendeu-se até depois do dia da morte. As referências a este desaparecimento foram relatadas pela imprensa da época, quer no estrangeiro, quer em Portugal. As nacionais dão conta dos seguintes títulos dos jornais, Grito do Povo, do Porto; A Palavra n.º 255; Liberdade, Lisboa; Correio dos Açores; Jornal Popular, Viana do Castelo e Portugal. Foram solicitados, no número de setembro, testemunhos sobre D. Miguel Rua de todas as presenças salesianas no mundo. Em Portugal, as exéquias decorreram na Oficina de S. José do Porto e nas Oficinas de S. José de Lisboa. Destacou-se o comovido testemunho de D. Sebastião de Vasconcelos que convivera com D. Bosco e D. Rua e com as dificuldades vividas na resposta positiva dos Salesianos para ingresso no território português. Elencam-se ainda as cerimónias realizadas em Angra do Heroísmo, Braga, e Viana do Castelo. (14) “A ideia de dar início à causa da beatificação do padre Rua começou logo a germinar em 1910.” (15) Em 1972, o Papa Paulo VI beatificou-o. Toda a força que se sentiu em D. Rua, a sua abertura ao mundo com a delicadeza de quem olha o futuro com ansiedade, mas, em simultâneo, com coragem e certeza de propor o caminho correto para a formação integral dos jovens teve como fonte do seu percurso a presença de D. Bosco: “Micchele Rua brilla come un astro singolare nell’orbia della vicenda umana e spirituale del santo de Torino: è don Bosco che lo accoglie da ragazzo, lo accompagna nella formazione al sacerdozio, lo forma come educatore e reponsabile di una Società di educatori.” (16) No Boletim Salesiano, suplemento ao número de setembro de 1910, relata-se a escolha, por votação, do sucessor de D. Miguel Rua, D. Paolo Albera. Seguindo-se o elenco da imprensa que acompanhou esta sucessão, na Itália. Em novembro de 1910, é notícia, na 1.ª página do Boletim Salesiano, a implantação da República, em Portugal. __________________________________________________________________ (1) Garcia, José Manuel, História de Portugal, Uma visão geral, Editorial Presença, Lisboa, 1981. (2) Desramaut, Francis, Vida do Padre Miguel Rua, Primeiro sucessor de Dom Bosco, LAS-Roma, 2010. (3) Ibidem. (4) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IX, Janeiro de 1910, Vol. III – N. I. (5) Ibidem. (6) Ibid. (7) Ibid. (8) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IX, Abril de 1910, Vol. III – N. 4. (9) Ibidem. (10) Ibid. (11) Ibid. (12) Ibid. (13) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IX, Maio de 1910, Vol. III – N. 5. (14) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno IX, Agosto de 1910, Vol. III – N. 8. (15) Desramaut, Francis, Vida do Padre Miguel Rua, Primeiro sucessor de Dom Bosco, LAS-Roma, 2010. (16) Villanueva, Pascual Chávez, Don Rua, prima fidato collaboratore, poi successore fedele di Don Bosco, in Ricerche Storiche Salesiane, Rivista Semestrale di Storia Religiosa e Civile, Ann XXX – N. Único (57), Gennaio-Dicembre 2011.