Angra do Heroísmo, os Salesianos e o encontro com o régulo de Gaza

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Frederico Pimenta A descrição da viagem dos Salesianos para os Açores, iniciada em 20 de novembro de 1903, teve paragens na Madeira, Ponta Delgada e Terceira. Da primeira se escreve “Descrevel-a minuciosamente, seria um nunca acabar, por isso… ponto final”, ficando patente o desejo de edificar um Oratório Festivo naqueles lugares. Linhas convergentes ______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Angra do Heroísmo, os Salesianos e o encontro com o régulo de Gaza O ultimato inglês, a 11 de janeiro de 1890, surge como resposta às ideias portuguesas de unir os territórios africanos de Angola e Moçambique. A Conferência de Berlim de 1884 dera o sinal de posse dos territórios, com base na sua ocupação efetiva, dando início a campanhas militares para apropriação e contactos com povos indígenas no espaço desenhado pelo mapa cor-de-rosa que definiu as pretensões portuguesas. Coevos destes acontecimentos surgem os nomes de chefias preponderantes em Angola, Moçambique e Guiné, respetivamente Alves Roçadas, Mouzinho de Albuquerque e Teixeira Pinto. (1) O segundo (Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque) foi responsável pela prisão de Gungunhana, (2) durante os combates nos territórios moçambicanos. Depois de preso e transportado para Lisboa, este rei africano foi encaminhado para Angra do Heroísmo, nos Açores. (3) Em 1899, foi criado o Orfanato Beato João Baptista Machado, (4) na ilha de Nosso Senhor Jesus Cristo das Terceiras. (5) Data de 1903 a tomada de responsabilidade desta instituição pelos Salesianos. A data de 1910 assinala o final da sua presença em terra açoriana, concretamente na ilha Terceira, por motivos de má relação com a Mesa Administrativa do estabelecimento, a implantação da república e a extinção das ordens religiosas. Tentou-se um regresso, no final do século XX, sem sucesso. A descrição da viagem dos Salesianos para os Açores, (6) iniciada em 20 de novembro de 1903, teve paragens na Madeira, Ponta Delgada e Terceira. Da primeira se escreve “Descrevel-a minuciosamente, seria um nunca acabar, por isso… ponto final”, (7) ficando patente o desejo de edificar um Oratório Festivo naqueles lugares. Da segunda, traçam-se as belezas de S. Miguel e o inefável desejo de existência de uma presença salesiana. Da terceira, a beleza da arquitetura da urbe (8) e o seu enquadramento na paisagem. Alude-se igualmente ao contacto com o Orfanato Beato João Baptista Machado e faz-se ainda referência ao régulo de Gaza. (9) Numa segunda viagem, iniciada em 20 de abril de 1904, igualmente a bordo do navio Funchal, e concluída no dia 8 de maio do mesmo ano, em Lisboa, o Provincial, Pe. Pedro Cogliolo, visitando Angra do Heroísmo, acompanhado do Pe. José dos Santos, do Pe. Eugénio Augusto de Oliveira e do Diretor do Orfanato, Pe. Luís Sutera, encontrou-se com Gungunhana no Castelo de S. João Baptista. O encontro, historiando um ambiente tranquilo, demorou largo tempo: “Depois de uma prolungada conversa, o Rvmo. Sr. P. Oliveira perguntou-lhes se eles queriam ser photographados, (10) e Godide (11) em nome de todos respondeu afirmativamente. O Revmo. Sr. P. Sutera encarregou-se então de preparar a machina…” (12) Os Salesianos ficaram profundamente tocados por este encontro, alvitrando até “Não poderá a magnanimidade de El-Rei…” (13) Gungunhana, que chegara a Angra do Heroísmo em 27 de junho de 1896, morreu em 23 de dezembro de 1906. A cronografia do encontro entre os responsáveis Salesianos e o régulo de Gaza termina com a seguinte expressão: “Ficae-vos ahi, filhos do Continente negro; talvez venha o dia em que a vossa condição se mude e possaes abraçar novamente os vossos, chamando-vos de novo filhos da liberdade. Para tal fim subirão todos os dias as nossas orações ao throno do Omnipotente.” (14) ________________________________________________________________________ (1) Garcia, José Manuel, História de Portugal – uma visão global, Editorial Presença, Porto, 1981. (2) Foi o último imperador do Império de Gaza, no atual território de Moçambique, e o último monarca da dinastia Jasmine. Recebeu o cognome de Leão de Gaza. O seu reinado estendeu-se de 1884 a 28 de dezembro de 1895. (3) “As nossas gravuras, a chegada de Gungunhana”, in O Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro, 19º Anno – XIX Volume – N.º 620. (4) João Baptista Machado nasceu na cidade de Angra, em 1582, e morreu em Omura, no Japão, no ano de 1617, no dia 22 de maio. Foi missionário da Companhia de Jesus. Detido, no Japão, durante as perseguições que se deram naquele território, foi executado, sendo beatificado pelo Papa Pio IX. (5) Nome primitivo dado à ilha Terceira, que era o centro principal do arquipélago dos Açores, denominado Ilhas Terceiras. (6) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Março de 1904, N. 3. (7) Ibidem. (8) Desde 1963, o Centro Histórico de Angra do Heroísmo está classificado como Património Mundial pela UNESCO. (9) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Março de 1904, N. 3. (10) Vacha, Andrea, “Iconografia de Gungunhana: representações do rei negro em Portugal (1890-1940)”, in Práticas da História, Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, n.º 12 (2021), pp. 53-93. (11) Um dos filhos de Gungunhana. Foi o último herdeiro da dinastia Jamibe. (12) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Agosto de 1904, N. 8. (13) Ibidem. (14) Ibidem.