Frederico Pimenta Linhas convergentes ______________________________________________________ Por Frederico Pimenta A forte ligação que a Casa Real tinha com as Oficinas de S. José levou, uma vez mais, a Schola Cantorum a participar – o que fazia de forma amiúde na corte e nas cerimónias mais destacadas na Lisboa dessa época – neste evento da Família Real. A regência do instrumental e vozes esteve sob a orientação do Salesiano Pe. José Concina. Foram interpretadas obras de Filippo Capocci, Lorenzo Perosi, Bach, G. Gallignani, Gounod, Carissimi, R. Matteini e Johann Pachelbel. Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Primeira Comunhão do Infante D. Manuel (1902) O Infante D. Manuel, Duque de Beja, recebeu a Primeira Comunhão e o Crisma no dia 3 de fevereiro de 1902. A cerimónia fruiu grande esplendor e demonstrações de grande profundidade emocional. Neste artigo, faremos referência a duas publicações coevas que nos relatam os ambientes vividos nesse inverno do princípio do século XX. Social, política e economicamente o espectro de Portugal apresentava um panorama sombrio. (1) A pobreza era dominante e procurava-se remediar essa situação através de algumas iniciativas de carácter privado. A nível político, existia grande instabilidade e a monarquia foi apresentada como o rosto causador dessas dificuldades. O pressuposto remate dessas situações encontrou-se no regicídio e no quanto ele marcou a sociedade portuguesa no final da primeira década do século XX. É neste ambiente que se concretizou o dia da Primeira Comunhão do então Infante D. Manuel, Duque de Beja, futuro D. Manuel II. Pelo seu carácter descritivo de uma época e quase premeditado futuro, em especial no último parágrafo, lê-se na Occidente: Conta já doze anos de edade, completados em 15 de novembro ultimo, sua alteza o infante D. Manuel, cujo retrato publicamos. Como seu irmão, o príncipe real, tem o jovem infante recebido esmerada educação, chistãmente orientada. Sem religião não há instrucção que fructifique. E’ forçoso educar e instruir tanto coração como o espírito. A fé tem sido apanágio dos príncipes de Portugal, constituindo o segredo da victoria alcançada nas batalhas em que os reis pelejavam á frente dos seus vasallos. Incutir, pois, a fé no espírito juvenil, preparal-o para a vida com esse vigor tão salutar, é uma sabia tarefa, que, sem excessos de fanatismo, deve produzir optimos fructos. Não teem Suas Magestades descurado a educação do infante D. Manuel, e assim vae-lhe o coração desabrochando aos eflluvios da luz puríssima da religião, amoravelmente ensinada. Já em fevereiro passado se effectuou a commovente ceremonia da primeira communhão de sua alteza, e esse facto, gratíssimo a todos os verdadeiros catholicos, deve olhar-se como eminentemente patriótico pelo caracter tradicional que o reveste, acordando a idéa das glorias que a fé christã deu sempre ao nome portuguez. Tem sua alteza um dos nomes que mais grandezas lembram na nossa historia. Permitta Deus que também no futuro seja afortunada a sua vida agora em tão formosos inícios. (2) Estávamos, então, no dia 3 de fevereiro de 1902. A cerimónia teve lugar na Real Capela das Necessidades, profusamente ornamentada. A forte ligação que a Casa Real tinha com as Oficinas de S. José levou, uma vez mais, a Schola Cantorum (3) a participar – o que fazia de forma amiúde na corte e nas cerimónias mais destacadas na Lisboa dessa época – neste evento da Família Real. (4) A regência do instrumental e vozes esteve sob a orientação do Salesiano Pe. José Concina. Foram interpretadas obras de Filippo Capocci, Lorenzo Perosi, Bach, G. Gallignani, Gounod, Carissimi, R. Matteini e Johann Pachelbel. A descrição pormenorizada, lavrada no Boletim Salesiano de abril de 1902, abona uma paisagem clarificadora desta cerimónia. Apresenta um dia triste e chuvoso com vento forte. Perto das 9 horas (hora marcada para o início da cerimónia) as nuvens deixaram de cobrir totalmente o céu e o dia manteve-se meteorologicamente tranquilo. O Boletim Salesiano percorre, ininterruptamente, os utensílios que compunham a decoração e, com grande destaque, refere “Aos pés da Virgem viam-se as rosas de ouro oferecidas pelos soberanos Pontifices ás Rainhas de Portugal.” (5) A distribuição dos lugares pelo Sancta Sanctorum in cornu Evangelii, in cornu epistolae e tribunas foi igualmente descrita. Na “…tribuna real suas Majestades Fidelissimas o Sr. El-Rei D. Carlos, Rainhas Sra. D. Amelia, Sra. D. Maria Pia, S. A. o Sr. Principe real e o Infante Sr. D. Affonso.“ (6) Com grande emotividade apresentam-se de forma exuberante os momentos da Primeira Comunhão e do Crisma, este último tendo como padrinho o Príncipe real, Sr. D. Luís. O Cardeal Patriarca D. José III, Sebastião de Almeida Neto, (7) presidiu às solenidades. “Pelas 5 horas da tarde houve um solenne Te Deum ao qual assistiram os membros da família real, dignitários, damas e muitas pessoas gradas.” (8) As Oficinas de S. José surgiam, assim, perfeitamente inseridas na Lisboa de novecentos pelo seu mérito e qualidade do acompanhamento das crianças mais desfavorecidas com uma vivência muito além da aquisição de conhecimentos escolares e profissionais. (9) __________________________________________________________________ (1) Garcia, José Manuel, História de Portugal – uma visão global, Editorial Presença, Lisboa, p. 212, 1981. (2) Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro, XXV volume, 20 de Março de 1902, N.º 836 (3) Nesta ocasião, o coro incluiu alguns tenores e barítonos da Opera Lírica de S. Carlos. (4) O Boletim Salesiano de 1902 transcreve um parágrafo do jornal Correio Nacional: ” Nas offinas de S. José a Schola Cantorum ocupa um logar eminente, e talvez no seu género seja única em Portugal.” (5) Boletim Salesiano, Revista das Obras de D. Bosco, Anno I. Abril 1902. N. 3. (6) Ibidem. (7) O Patriarca teve uma presença constante nos grandes momentos religiosos de D. Manuel II: realizou o Batismo, a Primeira Comunhão, a Confirmação e o Matrimónio, este último, no dia 13 de setembro de 1913, já com D. Manuel II no exílio. (8) Boletim Salesiano, Revista das Obras de D. Bosco, Anno I. Abril 1902. N. 3. (9) Anjos, Amador, “O centenário dos Salesianos em Portugal: apontamentos históricos”, in Os Salesianos em Portugal, 1894-1994, Actos comemorativos do centenário, Lisboa, p. 128, 1998.