Frederico Pimenta “Situadas no melhor ponto do bairro dos Prazeres, (dist. da Estrela), com vista soberbamente panoramica para o porto. È o primeiro colegio salesiano fundado em Portugal. Das suas oficinas têm saído bôas levas de artistas; reclame vivo do sólido ensino profissional nelas ministrado. Funcionam atualmente as seguintes secções: tipografia, encadernação, marcenaria, sapataria e alfaiataria. Além do curso profissional (só para internos) mantém o colegio uma secção para externos, onde ministra gratuitamente o ensino primario.” Linhas convergentes ________________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. 1932 – As Oficinas de S. José de Lisboa “Oficinas de S. José Travessa dos Prazeres-Lisboa Portugal. Fundadas em 1896 Situadas no melhor ponto do bairro dos Prazeres, (dist. da Estrela), com vista soberbamente panoramica para o porto. È o primeiro colegio salesiano fundado em Portugal. Das suas oficinas têm saído bôas levas de artistas; reclame vivo do sólido ensino profissional nelas ministrado. Funcionam atualmente as seguintes secções: tipografia, encadernação, marcenaria, sapataria e alfaiataria. Além do curso profissional (só para internos) mantém o colegio uma secção para externos, onde ministra gratuitamente o ensino primario.” (1) No contexto da História de Portugal, o ano de 1932 marca um momento de transformação no fortalecimento do poder político que só terminaria 36 anos depois. Nesta conjuntura, encontramos as Oficinas de S. José de Lisboa, 12 anos após a sua reabertura, no seguimento da implantação da república. No período de 1931 a 1935, o Pe. Ângelo Semplici exerceu as funções de Diretor das Oficinas de S. José, após o desaparecimento do Pe. Pedro Rota. No Boletim Salesiano, no número conjunto de janeiro e fevereiro do ano de 1932, (2) foi dado relevo a aspetos educacionais e foi apresentado como modelo o ambiente positivo vivido nas Oficinas de S. José. Sebastião Pestana, personagem de vulto nos meios culturais de então, tece no jornal Diário da Manhã, respigado para o Boletim Salesiano, algumas considerações no âmbito educacional e elabora um itinerário verbal com o Pe. Semplici sobre o valor da instituição dirigida por este último. Inicia a descrição seguindo os cânones do projeto de D. Bosco e a sua importância no futuro dos jovens. Aborda a necessidade do ensino da leitura a par da aprendizagem de uma arte ou ofício. “Não basta ensinar a lêr ao povo. Isso é necessário; mas é-o também que se leve ao povo o convencimento de que não há divorcio plausivel entre as letras e o trabalho: mesmo o trabalho rude, o trabalho manual.” Tal como o pensamento de D. Bosco também aqui se antevê o futuro mais risonho e afastado dos “insatisfeitos, dos deslocados”. Similitude de pensamentos despertou esta curiosidade do autor perante a obra salesiana e foi determinante para a sua “visita ás Oficinas de S. José, instaladas no sitio da Estrela…”. O ilustre cronista orienta a leitura para “os homens sinceros, isentos de preconceitos”, afastando “os derrotistas – esses abencerragens duma geração que faliu”. A redação da crónica inicia-se com a descrição do trajeto percorrido, num caminho do Largo do Rato à Estrela, com testemunho sobre a Basílica; a rua Ferreira Borges e considerações sobre arquitetura; a rua Tomás da Anunciação e a chegada em “frente dum grande edifício de 3 andares, construção solida”. A visita à instituição, realizada num domingo de outono, obedeceu a um esquema bem delineado: fins em vista, organização interna, efeitos e serviços prestados. Desta forma, o leitor é convidado a conhecer as Oficinas de S. José no final de 1931 e início de 1932. A Imprensa, neste período cronológico, debatia o problema do analfabetismo existente em Portugal. Interrogado sobre esse dilema, o Pe. Semplici, saudando essa iniciativa e augurando sucesso – “faço votos para que dela advenham bons resultados” -, opta por mostrar a instituição sem dar uma resposta factual ao desafio lançado pelo interlocutor. O deambular pelas instalações permite-nos ter uma ideia clara do desenvolvimento mantido nas Oficinas de S. José, neste período de tempo. Outras visitas e particularmente outras descrições foram elaboradas ao longo de diferentes anos. Recordemos a realizada em 1947 ao Pe. Eugénio Magni, então diretor, com uma estrutura muito semelhante à agora analisada e que nos permite ter, como referimos, subsídios para o conhecimento da evolução da instituição sedeada nos Prazeres. Nos finais de 1931 e inícios do ano de 1932, as Oficinas de S. José são-nos descritas com os seguintes pormenores. No primeiro andar, encontravam-se as oficinas de sapataria, alfaiataria, marcenaria, tipografia, “todas elas, como vê, munidas dos respectivos apetrechos”. Cada oficina tinha um responsável. Foi dado relevo às salas de grandes dimensões, ao arejamento e luminosidade. Nesse primeiro andar, foi indicada ainda a existência de refeitórios e cozinhas. No segundo andar, enumeraram-se o dormitório, as salas de aulas e de música. No exterior, “Na cerca, grande como está a vêr, divertem-se os rapazes, jogando ao foot-ball, correndo e pulando.” Parte desta visita cujo resultado enunciamos decorreu na sala de visitas onde se abordaram os aspetos inerentes à organização interna da instituição. Nela vislumbrou-se a existência de três “facetas primordiais: técnica, intelectual e artística”. As aprendizagens decorriam no curso elementar com quatro classes e no profissional em cinco anos, “o programa dado é similar aos dos colégios congéneres existentes na Italia, na França, Alemanha, Polonia, Inglaterra, Brasil e nas principais republicas sul-americanas”. As Oficinas de S. José tinham seis secções profissionais, a saber: compositores, impressores, encadernadores, marceneiros, sapateiros e alfaiates. Sobre as normas pedagógicas aplicadas, o Pe. Ângelo Simplici foi perentório na resposta à pergunta formulada por Sebastião Pestana: “As de João Bosco, o grande pedagogo do século XIX”. Como conhecemos de outros escritos, a subsistência das Oficinas de S. José contava com ajuda de um grande leque de beneméritos que a apoiavam de forma impermanente, o que provocou alguma intranquilidade no período de orientação do Pe. Pedro Rota. Além deste apoio da Associação Auxiliadora das Oficinas de S. José de Lisboa, o Pe. Semplici enumera, em 1931, nesta visita que dinamizou, um subsídio do Governo Civil de Lisboa, o trabalho realizado pelas oficinas e algumas mensalidades pagas pelos alunos, sendo estas de valor ínfimo. À pergunta sobre qual o número de alunos sustentados pelas Oficinas de S. José foi claro na resposta: “Trezentos, metade internos, metade externos, que daquí saiem não só sabendo ler, mas também sabendo trabalhar, sabendo ser uteis á sociedade”. Na conclusão, a curiosidade do visitante recaiu sobre a finalidade da escola. Rapidamente os bastiões da escola salesiana foram erguidos: preparação dos cidadãos criando condições de êxito na sua vida, sustentada pela educação cristã “sem misticismos nem fanatismos, mas sim franca, lial, alegre e expansiva”. Concluiu-se desta forma a descrição que Sebastião Pestana realizou baseada na visita às Oficinas de S. José, no início da terceira década do século XX, tendo como cicerone o Pe. Ângeli Simplici, que, nas palavras do escritor, “revela uma alma de eleição e própria para conduzir empresas”. __________________________________________________________________________ (1) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos, Ano XXIX, Março-Abril, 1932, Numero 2. Dele, além da fotografia, retirámos o respetivo título e texto que a sucedem. O destacado faz parte de um elenco descritivo de presenças salesianas que salienta igualmente O Liceu “Coração de Jesus”, Colégio “Santa Rosa”, Ginásio “S. Joaquim”, Colégio São Manoel e Colégio Salesiano “Sagrado Coração”, todos localizados em diferentes pontos geográficos do Brasil. Estas descrições, essencialmente com o progresso da presença salesiana no território brasileiro, espraiam-se pelos números subsequentes do Boletim Salesiano. (2) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos, Ano XXIX, Janeiro-Fevereiro, 1932, Numero I. Todas as citações contidas neste ensaio, à exceção do contido na nota anterior, têm como origem a publicação aqui indicada.