Frederico Pimenta Linhas convergentes ________________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Migrantes, uma História que se repete e a resposta social dos Salesianos Como o tempo, a movimentação das populações não tem um fim no percurso cronológico da História. Por diferentes motivos, a melhoria das condições de vida está na maioria das situações subjacente ao trilho doloroso de populações inteiras que, em diferentes latitudes, procura o futuro mais risonho e ensolarado noutros paralelos. Infelizmente é um tema recorrente! Abordamos, hoje, duas envolvências sociais espraiadas na ampla dinâmica salesiana e com um mesmo denominador comum: a dignidade do ser humano. Versaremos exemplos de acolhimento, em duas posições geográficas contrastadas e, num segundo momento, refletiremos sobre as diferentes problemáticas sociais vividas através de imprensa específica e no contexto salesiano. Dos territórios orientais, em cercania de 1940, chegaram notícias de enormes deslocações e pedidos de refúgio, em virtude da guerra civil chinesa, nos ambientes salesianos: “Chegaram os primeiros refugiados portugueses de Xangai – a cidade recebe-os carinhosamente”, (1) “O nosso Vicariato Apostólico de Shiu-Chow muito teve de sofrer por causa dos repetidos bombardeamentos aéreos”. (2) lê-se na carta do Padre Pedro Ricaldone, Superior Geral dos salesianos aos cooperadores salesianos. Deste episódio deu notícia o Pe. José Cucchiara, missionário, em carta enviada de Lin-Chow ao Pe. Pedro Ricaldone, em 20 de dezembro de 1939: “As incursões aéreas multiplicam-se espantosamente”. (3) Das movimentações das populações e o seu acolhimento refere-se: “O numero de prófugos aumenta sempre mais”; “Corta-nos, porém, o coração não poder auxilia-los como desejaríamos, vista a falta de meios”. (4) Uma vez mais o papel daqueles que se dispuseram a ajudar, através da ação dos Salesianos foi notória. Neste contexto, encontramos um relato datado de 1940, tendo como fonte original o Diário de Lisboa e respigado para o Boletim Salesiano , sobrevindo na casa de Macau: “Em 1940 Macau viveu um período de dor e de miséria. Vindos de toda a parte, onde a fome e a morte reinassem, chegavam levas de refugiados”. (5) E os fundos necessários para este apoio, como no caso referido que apresento como paradigma e noutro que surgirá nesta redação, foram delineados “…para ajudar os Salesianos na sua obra de caridade”. (6) Tratou-se, neste caso, da aquisição e doação da verba de “oitocentas e trinta e cinco patacas” (7) destinada ao pagamento de alimentação dos migrantes fugidos à guerra, nos longínquos territórios de Macau, a qual foi entregue aos Salesianos por parte de um oficial da marinha portuguesa. O acolhimento desses migrantes coube aos Salesianos que receberam estas massas humanas com a dignidade possível devida ao ser humano. Na Europa, estes movimentos de fuga às dificuldades existentes em diferentes territórios fizeram-se igualmente notórias e noticiadas. Na Europa central, concretamente na Hungria, fruto de movimentos revolucionários, surgiram graves ações, extremamente violentas, que totalizaram um número incontável de vítimas. O levantamento húngaro começou em 23 de outubro de 1956, com uma manifestação pacífica de estudantes, em Budapeste. Em dezembro de 1956 começam a ser anunciados os primeiros de uma série de transportes que trariam até Portugal “crianças húngaras entre os 12 e os 14 anos”, “sem qualquer pessoa de família”, (8) as quais seriam, por esse mesmo motivo, acolhidas por “famílias e instituições portuguesas”. (9) Sobre este assunto, na mensagem enviada a 1 de dezembro de 1956, fazendo o balanço do ano anterior, salientava o Pe. Renato Ziggiotti que “O Natal que costuma anunciar a paz aos homens de boa vontade, foi este ano perturbado por ruídos de guerra, por discussões sem fim, por ameaças e repressões sanguinolentas”. “Nós abrimos as portas das nossas casas de Gallipoli e de Bellano e reunimos aí alguns Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora Húngaros, para hospedar e educar um bom grupo de rapazes e de meninas saídos da tormenta húngara.” (10) No espaço sobranceiro ao Atlântico, em pleno terreno luso, repete-se esse abrigo. Prova-se, desta forma, a universalidade da hospitalidade salesiana. Estas crianças deslocaram-se para Portugal através da organização Caritas, criada “em 1945, da União de Caridade Portuguesa, mais tarde conhecida como Caritas. Na senda da Doutrina Social da Igreja e do Catolicismo Social, a Caritas Portuguesa seguiria o modelo das suas congéneres criadas desde o princípio do século, um pouco por toda a Europa…”. (11) Nas Oficinas de S. José de Lisboa estiveram 20 rapazes húngaros e a fotografia reproduzida encima e testemunha, neste artigo, essa presença. A adaptação não foi fácil, mas “…bem assistidos, progridem admiravelmente e aplicam-se ao trabalho…” (12) Além dos aprendizes, identificam-se o Arcebispo de Cízico, D. Manuel Maria Ferreira da Silva, ao centro, o Pe. Armando Monteiro, à esquerda, e o Pe. Benedito Nunes, à direita. Curiosamente, e ainda sob a escrita do Pe. Renato Ziggiotti, a denominada estreia de 1957 apontava esse caminho de entrega e amparo de todos: “No centenário da morte de S. Domingos Sávio, sirva de modelo para todos na firmeza de carácter e na fidelidade no cumprimento dos nossos deveres para com Deus e para com o próximo”. (13) O segundo momento deste escrito memória, deambula pela imprensa que, desde o início da Obra salesiana, teve um papel de indiscutível importância. O fundador, D. Bosco, desenvolveu-a desde 1859 com indestrutível rigor, procurando transmitir todo o cuidado inerente a uma divulgação responsável e formadora dos grupos mais desfavorecidos, com vista à sua educação e preparação para uma vida pessoal e profissional salutares. Esta postura social foi reconhecida reiteradamente pelos órgãos do poder político e estruturas corporativas, no contexto internacional e, neste caso, em Portugal. O Boletim Salesiano do ano de 1957, sob o título “Olhai os Salesianos”, (14) coligiu da publicação Debate o reconhecimento desse papel e da respetiva relevância. Desta acuidade advém o número de publicações e a subjacência do pensamento salesiano: “Nada menos de cinco revistas e jornais! Os Padres Salesianos são especializados em educação popular”, pois “Trata-se duma ordem religiosa que se ocupa apenas da gente humilde e modesta e é, portanto, uma congregação pobre de bens materiais”. (15) Concluiu a publicação Debate esta abordagem, sintetizando que os Salesianos “Têm mística, têm ideal! Souberam-no transmitir, porque a sua actuação e o seu desinteresse dão testemunho… aos pobres e aos ricos; os que recebem e os que dão fazem parte da mesma família: a Família Salesiana”. (16) E, uma vez mais, o reconhecimento pela ajuda, como referimos acima, surgia noticiado de forma robusta tal como o contributo ofertado. Outro caso desse reconhecimento constante aos que apoiavam, embora num contexto diferente das movimentações de refugiados, salientou-se, no ano de 1957, aquando da inauguração do chamado pavilhão dos Superiores, na casa do Estoril, documentando reconhecidamente a presença da benemerente Sra. D. Ana Albuquerque de Sousa Lara e igualmente a notícia, na mesma publicação, do seu falecimento a 3 de fevereiro do mesmo ano. (17) As publicações então elencadas pela Debate sintetizam-se no quadro abaixo, realçando-se nele, ainda, os destinatários específicos. Título Destinatários Esperança Doentes Social Operários Juvenil Jovens Boletim Salesiano Cooperadores Salesianos Raios de Sol Prisões Em contextualização sobre a importância dada à imprensa no ambiente salesiano, destaque para uma conferência realizada pelo Pe. José Maria Alves, no dia 29 de janeiro de 1957, em Lisboa, sob o título “O Cooperador Salesiano e a Imprensa”. (18) Nesta data, o Pe. José Maria Alves era diretor na casa salesiana de Vendas Novas. Além de maestro e compositor, foi autor de diversas publicações: “Como escritor publicou Páginas da Vida de Nossa Senhora e uma biografia popular de S. João Bosco, Sonho e Realidade” . (19) Nos títulos das publicações apresentadas em parágrafos anteriores, a escrita viva e devidamente orientada invocava e despertava o interesse dos leitores. Como testemunho, sobre o tema das prisões, salienta-se no Boletim Salesiano o trabalho realizado e os exemplos concretos e esmerados, geograficamente localizados no Japão, Sugamo, Miyazaki, Kawagoe (20) e no Brasil, S. Paulo, (21) e cronologicamente diversos da audaciosa circunstância havida, nos princípios da Obra, do notável passeio de D. Bosco com os jovens encarcerados, em Turim, e o seu retorno exemplar ao presídio, após diversão vespertina. Tempos díspares, mas a mesma força educativa e envolvimento social da Obra salesiana. __________________________________________________________________________ (1) in Notícias de Macau , quinta-feira, 19 de maio de 1949. (2) Boletim Salesiano, órgão dos cooperadores salesianos , Ano XXXVII, Num. 1, Janeiro, 1940. (3) Boletim Salesiano, órgão dos cooperadores salesianos, Ano XXXVII-Num. 2, Fevereiro, 1940. (4) Ibidem. (5) Boletim Salesiano, órgão das obras de D. Bosco , Ano XVI, N.º 126, Novembro, 1957. (6) Ibidem. (7) Ibid. (8) Pinho, Ana Regina da Silva, As “crianças caritas” entre a Áustria e Portugal (1947-1958), Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, Edições Afrontamento, Porto, 2019. (9) Ibidem. (10) Boletim Salesiano, órgão das obras salesianas de D. Bosco , Ano XVI, N.º 119, Fevereiro, 1957. (11) Pinho, Ana Regina da Silva, As “crianças caritas” entre a Áustria e Portugal (1947-1958), Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, Edições Afrontamento, Porto, 2019. (12) Boletim Salesiano, órgão das obras de D. Bosco , Ano XVI, N.º 123, Junho, 1957. (13) Boletim Salesiano, órgão das obras de D. Bosco , Ano XVI, N.º 119, Fevereiro, 1957. (14) Boletim Salesiano, órgão das obras de D. Bosco , Ano XVI, N.º 120, Março, 1957. (15) Ibidem. (16) Ibid. (17) Ibid. (18) Ibid. (19) Anjos, Amador, Centenário da obra salesiana em Portugal – 1894-1994 , Lisboa, 1995. (20) Boletim Salesiano, órgão das obras de D. Bosco , Ano XVI, N.º 121, Abril, 1957. (21) Boletim Salesiano, órgão dos cooperadores salesianos , Ano XXXVII-Num. 2, Fevereiro, 1940.