A desconhecida realidade conhecida

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João Tovar (seleção do texto) Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo, desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que anelamos. Esta «coisa» desconhecida é a verdadeira «esperança» que nos impele e o facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro. A palavra «vida eterna» procura dar um nome a esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão. Com efeito, «eterno» suscita em nós a ideia do interminável, e isto nos amedronta; «vida», faz-nos pensar na existência por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjeturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no Evangelho de João: «Eu hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (16,22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos da fé, do nosso estar com Cristo. Bento XVI, in Salvos na esperança (12).