Do que nos falam os livros…

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Marta Teixeira Silva As velas ardem até ao fim, da autoria de Sándor Márai, publicado em 1942, consiste num romance húngaro, único e envolvente, uma extraordinária história de amizade e de resiliência, onde o retorno às origens e o confronto com a verdade pode ser o descanso, o apaziguar da alma. Efetivamente, esta obra é protagonizada por dois grandes amigos de longa data, Konrád, que desaparecera inesperadamente, e o general, deixado na amargura e na solidão, tendo sacrificado uma vida inteira na sombra do que acontecera. De facto, todo o livro é referente a uma só conversa, que marca o reencontro destas personagens, quarenta e um anos depois, incidindo no discurso do amigo traído, que desmonta os seus sentimentos na procura de se libertar para que possa, finalmente, seguir em frente. Na verdade, ambos os protagonistas viveram à espera deste momento, dado que entre eles se interpunha um segredo de uma força singular. Neste sentido, partindo de um enredo à partida simples, a obra explora as emoções mais complexas do ser humano, deixando sempre a descoberto a pureza de uma amizade de mais de meio século. Primeiramente, é de destacar o tom introspetivo da prosa que, aliado à sua densidade emocional, prende o leitor e incita sublimemente à reflexão sobre as diferentes dimensões e fases da vida, bem como a complexidade das relações formadas ao longo do tempo. Com efeito, durante o discurso do general, sobressai a abordagem de vários pensamentos que reverberam para além dele, provocando, assim, um maior impacto durante a leitura. A título de exemplo, no décimo terceiro capítulo, na referência a uma caçada, surge mencionado um momento de puro silêncio, no qual o general, apesar de estar de costas, percebe que amigo lhe aponta uma arma e que tenta ganhar coragem para o matar, o que, mais tarde, lhe permitiu desvendar o motivo do seu desaparecimento. Assim, esta parte da obra despoleta a reflexão por parte dos leitores, ao transmitir eficazmente a ideia de que, muitas vezes, quando existe cumplicidade, não são necessárias palavras para aceder às verdadeiras respostas. Em segundo lugar, outro ponto forte desta obra é a beleza e melancolia com que o autor parte de um livro carregado de significados para se debruçar sobre esta intrínseca amizade transcendente entre dois homens tão diferentes. De facto, ao longo da história, recorrendo-se a diferentes simbologias, surge eximiamente retratada a forma como os protagonistas encontraram um sentido para a sua vida na necessidade de se voltarem a ver uma última vez. Veja-se o exemplo do próprio título, “As velas ardem até ao fim”, que parte do facto de as velas arderam enquanto tiverem um pavio, um caminho a percorrer, um objetivo por alcançar, para estabelecer uma analogia com a amizade central da obra, que, após quarenta e um anos de distância, precisava de um desfecho, conseguido a partir deste jantar, no qual se despedem com a certeza de que a sua amizade duraria para sempre. Concluindo, este livro retrata de forma excecional o reencontro de dois grandes amigos que, mesmo após um longo período de afastamento, se veem incapazes de se dissociarem um do outro. Neste sentido, desta prosa envolvente e interrogativa, sobressai uma profunda introspetividade que acompanha toda a história e que proporciona uma reflexão por parte do leitor sobre a sua própria vida e os seus relacionamentos. Além disto, os significados que esta obra emprega permitem salientar de forma clara a ligação inegável entre o general e Konrád, que durante quarenta e um anos viveram separados num misto de sentimentos, tendo como única constante a certeza de que se voltariam a ver uma última vez, demonstrando-se, assim, o forte poder de uma verdadeira amizade. Marta Teixeira Silva, 12.º T5