“Sempre que a Escola começa, em meados de setembro, dou por mim espantada com as novidades que as crianças trazem à minha vida. Este ano não foi diferente.” No primeiro dia de aulas, no primeiro recreio depois das apresentações logo de manhã, no primeiríssimo momento em que o Xavier foi confrontado com o “tempo livre”, aproximou-se dos camaradas mais velhos e perguntou de peito feito: a que é que vocês brincam aqui? Que não se pense que está numa posição fácil; é um dos mais novos, baixote e “sopinha de massa”, mas vibra nele toda a possibilidade de bem que deseja encontrar. Não se detém, não se reserva introspeções nem grandes reflexões. Arrisca. Uma criança que se lança assim é um grande ensinamento para mim e indica propriamente um método a seguir. Dar um passo, um pequeno passo, o primeiro passo. E aí vai ele. Mas depende das pessoas. Claro que sim, mas o primeiro passo pode concretizar-se também numa abertura a que alguém me procure e que eu me deixe encontrar. Haverá os mais expeditos e os mais atrapalhados; haverá os mais sociáveis e os mais tímidos; haverá mesmo quem goste de grandes animações e também os que preferem uma boa conversa a dois debaixo da árvore do parque. Ou até quem prefere observar. Tudo isto pode ser abertura. O que o Xavier nos mostra é a potência de confiar num bem que começa agora. Nisto, nós adultos podemos aprender e também podemos ajudar. Favorecer este olhar, “emprestá-lo” às nossas crianças que precisam tanto de ver em nós a esperança que os pode verdadeiramente sustentar. Um interesse verdadeiro pelo outro. Um interesse até eventualmente interesseiro. E que mal tem? É avisado da parte do novato pôr-se “do lado deles”. A que brincam, vocês? De que gostas, tu? Que é o mesmo do que perguntar: quem és tu, quem são vocês? O Xavier vai procurar alguma coisa fora de si, sem perder tempo com pensamentos ou conjeturas. Ele não sabe o que vai encontrar nos interlocutores, mas isso não é um problema à partida, porque quer realmente saber o que pode haver ali de atrativo para si e os seus amigos “caloiros”. O conteúdo das relações significativas é a possibilidade de partilhar uma vida. A pergunta podia ter outro verbo… Como é que se come aqui? Ou como é que se aprende aqui? Ou até como é que são os professores aqui? E seriam na mesma perguntas justas – e, quem sabe, até necessárias. Só que o Xavier sabe bem o que dá gozo e alegria à vida. É a brincadeira. Por isso mesmo, o seu foco é claro e a sua pergunta é certeira. Pergunta sobre a experiência mais valiosa, mais preciosa que conhece. Vale a pena brincar aqui? Que traduzido na linguagem de uma criança de seis anos, poder-se-ia traduzir como: vale a pena arriscar a vida aqui? E têm lugar para mim? Comovi-me a assistir a este diálogo porque me dei conta que ainda ia a tempo de começar o ano a imitar o Xavier. Bom 2023/24! Catarina Almeida