Linhas convergentes ________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. “De visita a Estoril e Cascaes” O passeio em comunidade de jovens alunos e mestres das obras salesianas é uma constante do seu carisma. Muitas passagens e descrições são desenhadas caligraficamente nas páginas de revistas e jornais das diferentes épocas. Centrado no ano de 1903, recordando que a inauguração das instalações onde as Oficinas de S. José de Lisboa se encontram atualmente, no Alto dos Prazeres, acontecerá três anos após esta abordagem, surge no Boletim Salesiano uma deliciosa descrição de um passeio “De visita a Estoril e Cascaes” (1) O passeio realizou-se no dia 2 de novembro de 1902. O dia, embora nublado, não ofereceu chuva aos passeantes. As previsões foram confirmadas no terreno: céu nublado (embora a certa altura da descrição o autor refira “o dia era claro e fresco”), (2) vento de NNE sem indicação de chuva, temperatura máxima de 17,9 e mínima de 10,2. (3) O objetivo da deslocação centrou-se no agradecimento aos benfeitores que auxiliavam a obra salesiana naquele preciso momento, com o imprescindível contributo (4) para as novas edificações que se erguiam na parte ocidental da cidade de Lisboa. Destaque, no capítulo dos benfeitores, para Sua Majestade, a Rainha Regente D. Amélia. A deslocação iniciou-se com o trajeto da casa do Sacramento à Lapa ao local onde o comboio acolheu os rapazes. “Sahiram os nossos rapazinhos ao som de briosas marchas, (…)” (5) As exposições dos percursos realizados obedecem a um encanto, onde a natureza, no seu esplendor, sobressai nos olhos de quem as lê. São sons, as margens do rio Tejo, “(…) essências salinas, (…) bosques de pinheiros, (…) o interminável Oceano, (…) fresca serra de Cintra (…)”. (6) De acordo com o relato, a chegada ao Estoril deu-se às 9 horas e na receção compareceu o Dr. Pinto Coelho (remeto para artigos anteriores a importância da família Pinto Coelho na presença salesiana em Portugal e concretamente em Lisboa), cooperador salesiano inexcedível. A quietude do lugar de então foi interrompida pela música da banda das Oficinas de José . Meia hora após a chegada teve lugar uma missa. Os cantores fizeram “(…) ouvir dois belos motetes. Para Estoril era uma novidade.” (7) No adro da igreja de S. António fez-se o peditório onde se recolheram as ofertas dos presentes (8) Tenhamos em atenção que, no período deste relato, a presença dos salesianos naquele lugar do Estoril e em concreto no Asilo de Santo António do Estoril (vulgarmente conhecido pelo Conventinho de S. António) era inexistente. A sua presença só se torna efetiva no ano de 1932 com a aceitação da administração e direção por parte dos salesianos na pessoa do Diretor das Oficinas de S. José de Lisboa, Pe. Ângelo Semplici. Inicialmente, destinava-se aos Dominicanos Irlandeses do Corpo Santo que não tiveram condições de assegurar tamanho encargo. O Convento data a sua fundação no ano de 1527 e pertenceu à Ordem Franciscana. Com o liberalismo (1834) e a consequente extinção das ordens religiosas, o convento passa por diferentes proprietários, terminando na posse de D. Anna Theresa Jorge Goularde de Vasconcellos. O desejo desta cascalense era dotar o seu concelho com uma instituição de apoio às crianças pobres dando-lhe o nome de Asilo de Santo António . Após a sua morte, esse desejo concretizou-se, pois os “(…) Salesianos (…) tomaram dele posse em Janeiro de 1932, sendo seu primeiro director o Rev.mo P. José da Silva Lucas.” (9) Esta citação, proveniente de uma entusiasmante entrevista dada em 1948 pelo Pe. Bartolomeu Valentini, traça um importante esboço desta presença no Estoril. Nela se testemunha o início da escola com 24 rapazes do curso primário. Desde a abertura até 1948, cerca de 1000 rapazes frequentaram a escola com 281 exames da terceira classe e 250 da quarta classe, foram servidas 608480 refeições, 3042000 curativos, 10 alunos frequentaram as Oficinas de S. José de Lisboa com conclusão do curso industrial e outros alunos estudaram nos seminários salesianos de Poiares da Régua e de Mogofores. A entrevista apresenta ainda os rendimentos existentes e os necessários para o desenvolvimento desta presença salesiana. Partilha também o entusiasmo pelo crescimento da escola, mostrando em simultâneo uma planta do arquiteto Vasco Regaleira (10) com vista ao alargamento das estruturas edificadas e o consequente aumento do número de alunos (quinhentos rapazes no curso primário, perspetivando um curso complementar e projetos de oficinas de serralharia e eletromecânica). Sente-se o entusiasmo nas palavras do Diretor e o seu desejo da inserção da Escola no processo de transformação que o lugar do Estoril desenvolvia na altura, “(…) Salesianos, vão consolidando os laços de família e recriando uma nova forma de viver em comunidade.” (11) De acordo com as palavras do Pe. Valentini, “Queremos construir dentro do Estoril dos adultos o Estoril dos rapazes”. (12) Regressando ao relato do passeio, evidencie-se que o acolhimento dos alunos esteve a cargo das famílias Pinto Coelho, Caldeira e Roquette. Após o almoço, “(…) dirigimo-nos a Cascaes pedibus calcantibus (…)”. (13) O objetivo foi atingido logo que passaram as portas da Cidadela de Cascais. (14) Ali se encontrava a rainha D. Amélia. Logo que terminaram as apresentações musicais, pela banda das Oficinas de S. José, a rainha “(…) mandou dar um profuso lunch aos pequenos (…).” (15) O ambiente descrito foi de profundo entusiasmo. Ainda no palácio, os alunos puderam cumprimentar “(…) algumas ilustres familias, bemfeitoras das Officinas, (…)”(16) Houve tempo, no regresso ao Estoril, para uma paragem onde foi saboreado um jantar, igualmente providenciado palas famílias acolhedoras desta jornada. O regresso processou-se já de noite com lembranças de alegria e gratidão. “O comboio partia mas as saudades ficavam em nossa alma para recordar o dia tal bello que tínhamos passado.” (17) __________________________________________________________________ (1) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco , Anno II. Fevereiro – 1903. N.2. (2) Ibidem. (3) Occidente, Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro , 25.º Anno XXV Volume – N.º 859, 10 de Novembro de 1902. (4) O Pe. Amador Anjos apresenta este assunto com a transcrição das Memórias do Pe. Ambrósio Tirelli: “ A casa vivia das ofertas mensais de uma subscrição de homens e senhoras, das pensões pagas pela Câmara Municipal a favor de alguns alunos enviados por entidades civis, de ofertas particulares (…), das gratificações da capela real para os nossos cantores, dos estipêndios de missas e de quermesses organizadas por famílias aristocráticas (…)” in Oficinas de S. José, os salesianos em Portugal , Lisboa, 1999. (5) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco , Anno II. Fevereiro – 1903. N.2. (6) Ibidem. (7) Ibid. (8) Ibid. (9) D. Bosco, revista das obras e missões salesianas , Ano VII, Número 60, Setembro-Outubro, 1948. (10) Vasco Morais Palmeiro Regaleira nasceu a 21 de setembro de 1897 e faleceu a 21 de maio de 1968 na cidade de Lisboa. Foi diplomado em Londres, em 1926, e foi autor de diversos projetos em especial grandes edifícios religiosos, como, por exemplo, a Igreja do Santo Condestável, em estilo neogótico, inaugurada a 14 de agosto de 1951, cujos atuais párocos, Pe. João Chaves e Pe. Luis Almeida pertencem à comunidade salesiana de Lisboa. (11) Henriques, João Aníbal, “Fausto Figueiredo e o sonho do Estoril” in Os 100 anos do projeto Estoril 1914-2014 , maio, 2014. (12) D. Bosco, revista das obras e missões salesianas , Ano VII, Número 60, Setembro-Outubro, 1948. (13) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco , Anno II. Fevereiro – 1903. N.2. (14) A Cidadela foi classificada como Imóvel de Interesse Público em 1977 e em 2014 foi integrada na Zona Especial de Proteção, que abrange um conjunto de edificações circundantes de igual valor patrimonial. A primeira construção, denominada torre de Santo António, realizou-se no século XV, por D. João II. Durante o domínio filipino, ergue-se a fortaleza de Nossa Senhora da Luz. No reinado de D. João IV, levantou-se a denominada Cidadela. Desde 1870 até mesmo após 1910, foi habitação de veraneio ou mais demorada dos reis de Portugal, que introduziram algumas melhorias. Nesta estrutura edificada realizou-se uma das primeiras experiências de iluminação elétrica em Portugal. No início da república, os presidentes pagavam uma renda (30 escudos) pela utilização do espaço da Cidadela. (15) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco , Anno II. Fevereiro – 1903. N.2. (16) Ibidem. (17) Ibid.