| Momentos de… “claridade “|

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| Momentos de... “claridade “|A educação é um tema que lhe interessa. As artes estão pouco presentes na escola, os rankings estão na moda, as notas ora incidem na Matemática, ora na Língua Portuguesa, ora na Educação Física. Este ano a novidade é a escola inclusiva. Que ensino público queremos para as nossas crianças?

Eu sou um profano, como costumo dizer. Aliás, muitas vezes digo que estou a falar num templo para sacerdotes sobre um culto que conheço mal, mas é como cidadão que falo, portanto de fora para dentro. E faço um parêntesis para pegar na sua formulação: incidem na Matemática, na Língua Portuguesa, na Educação Física… Penso que o ponto sobre o qual todos têm de incidir é nas crianças. E em matéria de crianças e de direitos da criança já não serei tão profano quanto isso. Aquilo que gosto de olhar é a educação e a escola a partir da criança. Costumo dizer – evidentemente que de uma forma quase caricatural – que temos um excelente modelo de escola, o que atrapalha são os alunos. Ora, se fizermos ao contrário, se em vez de concebermos a escola de cima para baixo, isto é, partindo de uma abstração para a realidade, e olharmos a realidade e a partir dela construirmos um modelo, vamos encontrar respostas extraordinariamente fáceis. O problema é inverter a situação. Aqui julgo que temos dois ou três princípios a montante da própria construção do modelo – mas que vão condicionar o modelo – relativamente aos quais temos de estabelecer o que queremos, e penso que nesta medida podemos perfeitamente aceitar que é possível estabelecer um pacto mesmo entre partidos políticos. Não acredito que os partidos políticos encontrem um único modelo de funcionamento da escola, até porque estamos a falar de uma matéria que tem uma matriz ideológica – não vamos querer que todos venham dizer a uma só voz a mesma coisa -, mas há esta dimensão, a montante, onde julgo que é fundamental entrar em acordo. E o primeiro grande princípio sobre o qual temos de ter um acordo é este: se temos uma escola pública de ensino obrigatório até ao 12.º ano, temos de ter como primeiro objetivo da escola a inclusão universal de todos e de cada um dos alunos. E nenhum modelo que tenha na sua matriz a gestação via exclusão é um bom modelo, temos de fazer escolhas aqui. Temos todos dentro da escola, mas é preciso que todos pertençam à escola e é necessário que todos sintam que aquele espaço é seu e que têm ali um caminho de inclusão.

Como é que isso se faz na prática?

Isto leva-nos a perspetivas que são razoavelmente diferentes – ia dizer radicalmente diferentes, mas não quero, para já, atemorizar os que estão disponíveis para aderir a este projeto. Trata-se de ser consequente e lógico com este discurso, não se trata de ser radical. Eu, por exemplo, não posso mais andar a falar de um princípio que todos acham que é um princípio de aplaudir, mas sobre o qual é necessário refletir criticamente. Não posso mais dizer que tenho uma escola igual para todos porque não tenho todos iguais para a escola. Quer dizer, quando tenho uma escola igual para todos, continuo a ser abstrato e a ser abstrato em nome dos valores. E como tenho uma escola igual para todos e aplico essa escola a todos, a desigualdade que está na base vai acentuar-se ainda mais. O que tenho de ter é uma escola que se habitue a trabalhar a diversidade. A homogeneidade é mera metodologia. O que temos é de aprender a trabalhar a heterogeneidade, que faz parte da natureza da escola. E isto leva-nos longe, nomeadamente a um assunto muitíssimo difícil, que é o da avaliação.

Precisamos de um novo modelo de avaliação?

Aqui é preciso chegar outra vez a um consenso, que é este: a avaliação exclui-se relativamente aos modelos que temos utilizado ultimamente, que são modelos matemáticos que não jogam com algoritmos diferenciais em que se espera que cada aluno, no mesmo dia, à mesma hora responda da mesma maneira a perguntas iguais para todos. Tudo isto tem de desaparecer. Agora, o que não podemos é deixar que a substituição do atual modelo de avaliação por um modelo de avaliação contínua, individual, permita dizer que o primeiro é um modelo de exigência e o segundo é um modelo laxista, facilitista. Porque não é. A exigência tem de ser a mesma, e este é outro consenso. Da mesma maneira que não podemos deixar criar a ideia de que a escola deve ser permanentemente um espaço de felicidade. Não é. Às vezes não é. A escola pode ser também um espaço penoso, de frustração, de responsabilização, de trabalho, de disciplina. Temos é de perceber que ou isto é assim a partir das crianças, ou é assim a partir da escola. Se for assim a partir das crianças, a escola tem de se preocupar com a disciplina que propõe. Se for assim a partir da escola, a escola só tem de se preocupar com a disciplina que impõe. É por isso que a escola pública tem muito menos problemas de indisciplina do que se pensa, o que tem é problemas de disciplina.

Sei que não está a fazer um jogo de palavras…

Não, não é um jogo de palavras. Se o problema é de disciplina, o sujeito é a escola. Se o problema é de indisciplina, o sujeito é o aluno. Para concluir, diria que precisamos de nos dar conta de uma nova realidade nas escolas: os alunos, e não o aluno. Porque criámos a figura do aluno, uma figura abstrata. O que existe são alunos. Criou-se um documento particularmente interessante à saída da escolaridade obrigatória, que é o perfil dos alunos, mas todos os que aderem dizem perfil do aluno. Temos de acabar com esta cultura pré-instalada, um estereótipo.

Isso não deixa de ter graça, porque os alunos são tratados como um todo e não como seres únicos…

De uma maneira geral, e isso é compreensível, para os pais existe a escola e o seu filho. E para aqueles que têm poder e condições para dar caminhos paralelos de educação e de escolarização, para os que têm em casa cultura e filhos com maior predisposição para apreender o que lhes é dado na escola, o sucesso dos filhos é fundamental. E deve ser assim para todos os pais. O problema é que as pessoas devem perceber que ninguém deve estruturar o seu sucesso em comparação com o insucesso dos outros. Os pais que têm um filho que quer seguir Medicina e tem de sair do ensino obrigatório com média de 18/19, têm todo o direito de ter uma escola pública que lhes garanta isso. O que não podem é exigir que, para isso, a escola pública exclua muitos dos que criam dificuldades e problemas no interior da escola. Daí eu estar a dizer que a escola tem de garantir duas tranches de sucesso: o sucesso como nós o conhecemos e o não insucesso. Porque para muitos alunos a garantia do não insucesso é o máximo sucesso possível. Por exemplo, o ensino profissional, que me parece particularmente importante e tem de ser valorizado como tal, tem muitos mecanismos para responder a isto. O que não podemos é centrar a escola no desejo que os professores têm, ou terão, de manter um modelo mais fechado, este que temos tido até há relativamente pouco tempo e que é desejado pelos encarregados de educação dos filhos que não têm nunca problemas com a escola e pelos professores já um pouco mais cansados e menos exigentes consigo próprios.

Quando me falou de olhar o ensino a partir das crianças fiquei com a ideia de que ia falar-me de competências e de vocações…

Sim, há para mim um aspeto fundamental que é este: vivemos perturbados e preocupados com a necessidade de gerar competências, competências, competências. E não nos damos conta de que encharcamos as crianças de tal maneira com competências que nunca chegamos a saber quais são as suas capacidades. Ora a escola tem um período inicial, que pode ser de anos, deve ser de anos, em que fundamentalmente o importante deve ser soltar as capacidades máximas de cada criança. E agora que eu conheço a capacidade máxima de cada criança, então sim, introduzo as competências. Como é que vou saber as suas capacidades? Distinguindo competência do conhecimento. Conhecimento, até há pouco tempo, estava ligado a uma certa universalidade do saber. Hoje, o conhecimento está muito ligado à sociedade de inovação, à criação de valor, portanto, muito comprometido com uma sociedade tecnológica. Mas o conhecimento mais global, mais universal, é fundamental para desenvolver as capacidades, e quando confundimos conhecimento com competência ou o entalamos dentro desta ideia de sociedade de inovação, entulhamos as crianças com coisas que não lhes dizem nada e deixamos de ser capazes de compreender as suas capacidades. Desenvolver as capacidades de uma criança é um dever que qualquer pessoa ligada à escola e à educação. A seguir vamos trabalhar o conhecimento, que já permite desenvolver pensamento crítico, escolher.

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