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Sr. Padre João Chaves, Dir. dos Salesianos de Lisboa
Dr. Orlando Camacho 
Prezados Salesianos aqui presentes
Estimados educadores 
Queridos alunos e familiares

Sempre que volto a este espaço e a este tempo de celebração, paralelamente a uma emoção que não faço questão de esconder, acompanham-me também, como é natural, alguns incómodos. Esses incómodos interpelam-me a convocar o que se esconde nos bastidores da escola, o que é menos visível, mas nem por isso menos intenso. Estou a referir-me hoje, à pertinente questão do mérito e da justiça na escola. 
 
Giuseppe Tognon defende que devemos ser muito cautelosos ao lidar com o mérito, especialmente na escola. “As intenções de quem constrói lugares meritocráticos podem ser as mais sinceras e nobres do mundo, mas a lógica que os governa é a de desigualdade como um fator de crescimento”. (Tognon, G., 2017: 23) Para que haja mérito, terá de haver demérito!

Não ignorando esta tese, (por alguma razão a trouxe), argumentarei, no entanto, em desacordo com ela, porque muito me agrada essa lógica da desigualdade e diversidade na escola, desde que acompanhada pelo respeito por essa mesma desigualdade e diversidade. O que é justo e admirável na escola, é precisamente a existência, o reconhecimento e a valorização dessas saudáveis e valiosas desigualdades, que correm o risco de ficar sufocadas, estranguladas numa forma comum, num currículo pronto a vestir, ou numa sala onde se ensina a todos como se fossem um só (expressão de Formosinho).

Se a vida que se vive diariamente na escola não estiver iluminada por esta ideia de justiça que não é igualdade, momentos lindos como este poderiam ser manchados pela ideia de uma pedagogia orientada pela “padronização da prestação”, em que a unicidade do processo abafaria a unicidade de cada aluno; em que a valorização exclusiva do sucesso académico medido por padrões estereotipados, poderia ferir o encanto de uma escola que anseia valorizar todos mas, sobretudo, cada um. Por isso valorizamos hoje e aqui não apenas quadros de excelência, mas também quadros de valor. Por isso, na mesma linha, valorizamos sucesso educativo e não apenas sucesso académico.

Queridos alunos
Estimados educadores e familiares

Não queremos prisioneiros em liberdade, mas pessoas livres que anseiam e se preparam para viver num mundo também ele livre. Como afirma J. Dewey, a comunidade que nos interessa não é a comunidade dos iguais, mas aquela onde trabalham em comum, uns com os outros. Educar, hoje, não pode ser educar para a menor comunidade possível, mas sim educar para a maior comunidade possível.  E essa comunidade chama-se humanidade. Trago com prazer esta ideia da educação como um bem comum, porque ela emerge igualmente no discurso do Papa na Gravissimum educationis, onde Francisco fala em construir redes e afirmar o bem comum. A educação como um bem comum.

António Nóvoa costuma falar de três grandes revoluções: a escrita, a imprensa e o digital. Mas ainda segundo o mesmo autor, aquilo que mais mudou com estas três revoluções foi a nossa maneira de aprender. Não se aprendeu da mesma maneira depois da escrita, nem depois da imprensa, nem aprendemos ou aprenderemos da mesma maneira depois do digital. Neste contexto fica, no entanto, o alerta: “educar humanos por humanos, para o bem da humanidade” (M. Epstein). 

“Amo a razão. Considero que a razão é um meio de aumentar a distância em relação à realidade, um instrumento crítico absolutamente necessário e essencial. No entanto, a razão não garante a fuga à barbárie. A garantia contra a barbárie é a compaixão”. 

É esta, a luz de um fragmento do pensamento de Phillipe Meirieu. Neste início de mais um ano letivo, parece-me bem evocar a sabedoria deste texto, essencial para todos os educadores. É preciso, na escola, visitar a emoção e valorizar uma pedagogia da compaixão.

Há uma pedagogia da emoção que é preciso redescobrir no tempo da aridez tecnocrática. Há uma pedagogia da compaixão que é preciso acender na escuridão dos formalismos, que tantas vezes são estéreis. Ou ainda, seguindo Matias Alves, na selva da competição. 

Temos nesta plateia as pessoas que, pelas melhores razões, mais se distinguiram durante o ano letivo passado. Mora aqui, por isso, um sentimento de grande admiração, de gratidão por existirem seres humanos capazes de nos iluminar com a sua vida e o seu exemplo.

Meus Queridos alunos

O mundo em que vivemos é o único de que temos experiência. Se cada um de nós não for capaz de o tornar melhor e mais justo, milhões de indivíduos vão continuar a sofrer em silêncio. Ou morrer.

Porque esta plateia não é uma plateia qualquer, peço-vos, queridos alunos, que estejam atentos ao mundo em que estão destinados a viver. 

Com a vossa inteligência, com a vossa sabedoria, talento e compaixão, utilizando palavras de Eduardo Lourenço, fica o desafio para que consigam criar paraísos na terra, e assim vos podermos chamar verdadeiros jardineiros de Deus.
Muito obrigado.

José Morais | Diretor Pedagógico – Salesianos de Lisboa