| “Pais, filhos, smartphones, tablets…” |

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A propósito do lançamento recente do seu livro” Pais Sem Pressa – O tempo na relação entre pais e filhos”, Pedro Strecht tem uma entrevista interessante no DN a que tem como cabeçalho “Quantas vezes não vemos famílias a jantar, cada um agarrado ao seu ecrã?”

Dá para perceber como é atual e pertinente a matéria em análise. Mais um contributo.
Um relatório muito recente do Pew Research Center a que também o DN fez referência mostrou alguns indicadores sobre a forma como pais e adolescentes percebem a sua relação com os dispositivos digitais e a forma como cada grupo, pais e filhos, avalia o comportamento do outro neste universo. Apesar de realizado com adolescentes e pais dos EUA, 743 adolescentes de 13 a 17 anos e 1048 pais, os dados são um bom contributo para a reflexão.

Do extenso volume de informação e pela menos frequente abordagem duas referências.

Cerca de 36% dos pais inquiridos entende que gasta demasiado tempo ao telemóvel enquanto 54% dos adolescentes também avalia como tempo excessivo a sua utilização.

Na relação entre si, 72% dos pais considera que os filhos estão mais focados no telemóvel quando tenta dialogar com os filhos enquanto destes (30% muito frequentemente), 51% entende que os seus pais estão mais centrados no telemóvel quando tentam estabelecer conversa (14% muito frequentemente).
Antes de umas notas parece-me oportuno recordar um trabalho também dos EUA divulgado em 2014 e que envolveu um número significativo de crianças com idades diferentes sobre a sua perceção das relações com os seus pais e das relações destes com dispositivos como telemóveis ou tablets.

O estudo sugeria que as crianças expressam de forma muito clara um aumento da distância, da desatenção e de dificuldades relacionais pois sentem os pais numa sobreutilização daqueles dispositivos em detrimento do contacto consigo e da atenção que lhes dedicam.

Estes estudos são importantes desde logo porque ouvem crianças e adolescentes e vêm ao encontro de outras investigações e das experiências que vamos conhecendo em muitas famílias.

A falta de disponibilidade e atenção para os miúdos, mesmo quando estão com eles, também contribuem para que muitíssimas crianças e jovens sintam que vivem à beira de pais para os quais passam completamente despercebidas, são as que eu chamo de crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã onde até encontram outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.

Em boa parte das situações pode ficar difícil ir à procura destas crianças e adolescentes e, por vezes, alguns perdem-se de vez.

Como é evidente, estas duas abordagens, o uso excessivo de telemóveis ou de tablets e smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes dispositivos por parte dos adultos contaminando negativamente a sua disponibilidade para os mais novos não visam diabolizar a sua utilização

Pretendem apenas que essa utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos.

Acresce ainda que os estilos e circunstâncias de vida atuais são poderosos inimigos do tempo disponível para esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.

José Morgado
Fonte: Atenta Inquietude, domingo, 14 de outubro de 2018