Philippe Meirieu – Entrevista conduzida por Samuel Ribot
[Versão portuguesa: Daniel Lousada] 1 de Setembro de 2018
Especialista em ciências da educação, Philippe Meirieu, grande referência da pedagogia, questiona o caminho seguido pela escola francesa, a competição entre estudantes, o problema do telemóvel, o papel dos pais, o regresso do mito de autoridade…
A “rentrée” do ano letivo de 2018 marca uma escola em movimento ou uma escola doente?
É a “rentrée” de uma escola ansiosa, que viu a chegada de muitas mudanças, como novos programas para a escola primária, publicados tardiamente, e que vão ser aplicados sem que os professores tenham tempo de se apropriar com propriedade. Há́ também a preocupação com uma série de anúncios, alguns interessantes, mas que podem criar dificuldades, como a avaliação das escolas ou a mudança anunciada do estatuto docente.
Esses anúncios ilustram, na sua opinião, a falta de continuidade entre os vários governos em matéria de política educativa?
O grande problema é que o tempo da educação é muito longo, que a implementação de novas orientações exige tempo, e que o tempo político não obedece às mesmas regras. As leis que pretendem introduzir mudanças sucedem-se sem que professores, alunos, pais – os cidadãos em geral – se inscrevam numa visão unificada da escola. Quando precisaríamos de mais continuidade, moderação nos julgamentos que fazemos a propósito de decisões anteriores, acabamos condenados aos “desprezos” dos recém-chegados ao governo.
E não conseguimos quebrar esse círculo porque…
Porque a modéstia não é a principal característica dos governos. Falta-lhes uma visão serena da situação que herdaram, e favorecem as mudanças que deixam a sua marca ou favorecem o seu eleitorado, antes de irem na direcção dos interesses dos alunos.
Defende que uma das medidas emblemáticas desta “rentrée”, a proibição do telemóvel, “não traz consigo a atenção individual e colectiva”.
A proibição não me incomoda, até porque o telemóvel é autorizado para usos educativos. Mas isso não substitui a necessidade de aprender a desconectar por uma ou duas horas para ler um livro ou olhar a paisagem. A verdadeira questão está em saber se somos capazes de transmitir aos nossos filhos o prazer de ler e escrever, de procurar o contacto com a natureza, ou se eles apenas conseguem prazer no uso das tecnologias. A proibição seguirá em frente mas, por si só, uma vez terminadas as aulas, não acaba com a tentação de se manterem permanentemente ligados à “rede”, em detrimento de toda a sorte de experiências importantíssimas, que não passam por ela.
Escreveu que é necessário proceder a uma “desaceleração” no interior da escola. Em que consistiria esse movimento?
As crianças foram sempre seres caprichosos e impulsivos que buscam satisfação imediata. É isto que a sociedade de consumo, com as suas agências publicitárias, apoiadas em poderosas tecnologias digitais, vêm reforçando. O professor precisa de contrariar esta tendência, procurando criar um ambiente de trabalho diferente, dando tempo ao pensamento e à reflexão.
Fala do “regresso da autoridade” à escola, reclamado por alguns, como o retorno a um mito. Porquê?
A situação mudou, mudou a configuração familiar, as tecnologias evoluíram e, mais importante, os alunos de hoje não são mais os de há dez, vinte, trinta anos. Eles são sujeitos a uma infinidade de estímulos, e com eles vem a dificuldade de concentração. Depois não vêem com bons olhos certos conhecimentos que eles sentem não levarem a carreiras de sucesso. Diante disso a restauração da velha autoridade não faz sentido. O que faz sentido é o estabelecimento de uma nova autoridade, que traga confiança no futuro e que permita sair do ambiente pleno de “caprichos”, em que nos vemos envolvidos nesta sociedade de consumo. Não é do retorno do “velho mestre” que precisamos. Ele não seria capaz de lidar com os estudantes de hoje, que exigem um trabalho especial de atenção: onde uma criança, há alguns anos, dedicava 15 minutos de atenção, hoje dedica 4 ou 5. Perante a criança do zapping, que precisa de renovar permanentemente o seu interesse, não é o velho mestre, com os seus métodos, que é capaz de fazer alguma coisa.
E os pais? Qual pode ser o seu papel no sucesso das crianças?
Nós recriminamos excessivamente os pais que se demitem. Eu acho que eles são mais incapazes do que demissionários: não se demitem por opção mas por incapacidade. Poderíamos dizer-lhes claramente o que se espera deles. Por exemplo, explicar-lhes que não podem exigir que os seus filhos tenham sucesso na escola se não puderem garantir que eles dormem o suficiente. Ora, sabemos que o sono das crianças, que se deteriorou consideravelmente, é hoje um problema de saúde pública, com crianças apáticas ou, no extremo oposto, excessivamente excitadas, justamente por falta de sono. Também precisamos de trabalhar no relacionamento entre os pais, que às vezes olham os professores como pessoas que não querem ouvi-los, e professores, que vêem os pais como intrusos indesejáveis. Precisamos, urgentemente, de restaurar o diálogo [se é que alguma vez o tivemos] centrado no fundamental [necessidades das crianças], a fim de progredir, evitando mudanças agressivas ou mesmo violentas.
Seja pelos estudantes ou agora pelas escolas, tem-se preocupado com a “obsessão avaliativa” e a “cultura do “desempenho” que se instalaram. Porquê?
A avaliação pode ser uma oportunidade, mas o risco de que ela seja usada para encorajar alguma forma de competição ou mesmo de segregação, está aí ao virar da esquina. Algumas instituições de enorme procura, sentem-se tentadas a implementar procedimentos de selecção, enquanto que aquelas que não têm condições para fazer uso do mesmo expediente, limitar-se-ão a acolher os alunos que ninguém quer. Nos Estado Unidos, onde foi implementado um enorme programa de avaliação e classificação de instituições, surgiu também um fenómeno chamado “ensino por testes”. Ou seja, apenas se ensina o que é avaliado; todas as outras matérias passam ao lado, como as artes ou a formação para a cidadania. Então é necessário promover, nas nossas escolas, a cooperação, a ajuda mútua entre alunos, que é uma poderosa ferramenta educacional, na medida em que tanto avança aquele que é ajudado como aquele que ajuda. Esta aprendizagem da solidariedade parece-me essencial, quer para os nossos alunos como para a nossa sociedade.
Texto original [versão francesa] disponível aqui.