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| Excertos de uma mensagem |FINALISTAS 2018

Nesta noite, cada uma das mesas abriga uma palavra. Cada palavra é portadora de significado. O tamanho desse significado já não depende da palavra, mas sim do olhar, da vontade, do conhecimento, da sensibilidade e da capacidade de cada pessoa a ler, imaginar ou mesmo saborear.

Gostaria de convocar e combinar duas dessas palavras: Alegria e Gratidão. Há quem sustente que ao fruto desta combinação podemos chamar felicidade. Com a alegria e a gratidão presentes, agrada-me caracterizar esta noite como um momento feliz e intenso. Mais um momento de vivência do que um simples momento de existência. Ancorado em S. João Bosco, um momento atento sobretudo às urgências do coração.

Como sustenta Rui Canário (2005: p. 88): A escola erigiu his­toricamente, como requisito prévio da aprendizagem, a transformação das crianças e dos jovens em alunos; construir, porém, a escola salesiana, supõe a adoção do procedi­mento inverso: transformar os alunos em pessoas. Só nestas condições a escola poderá assumir-se, para todos, como um lugar de hospitalidade. Só nestas condições emergem e se alimentam as múltiplas dimensões necessárias para a vida: o conhecimento, o afeto, o cuidado e a espiritualidade. 

O que vale a pena ser ensinado (na perspetiva de Olivier Reboul), é tudo o que une e tudo o que liberta. Tudo o que une, é tudo o que integra cada indivíduo num espaço de cultura e de sentidos. Tudo o que liberta, é tudo o que promove a aquisição do conhecimento, o despertar do espírito científico. No âmbito da educação moral é muito sugestiva esta frase do evangelho: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” No entanto, como sublinha Matias Alves, o que une e o que liberta deverá ser completado por uma terceira injunção: Tudo o que torna a vida mais decente. Significa que o pensamento curricular tem de interrogar-se sobre a relação entre o saber e a vida humana, entre a ciência, a consciência e a decência. A educação não é apenas uma simples questão do treino da mente. Porque esse treino pode levar à eficiência, mas não gera plenitude.

Queridos finalistas

Relativamente ao sentido da vida, das opções e do que nos pode realizar como seres humanos criadores, Bauman disse um dia numa célebre entrevista que “para cada ser humano há um mundo perfeito concebido especialmente para ele ou para ela.” O segredo da felicidade residirá no facto de cada um, por sua própria vontade, ter a capacidade de abraçar a forma de vida que deseja viver, e não se limitar simplesmente a imitar o modo de vida dos outros.

Estimados pais e educadores

Há quem defenda que nós, educadores do início do sec XXI, não estamos preocupados com os seres humanos, mas sim com a nossa ideia do que eles deverão ser. Convoco, no entanto Stein e a sua definição de educação, com a qual me identifico em particular: educar é levar cada um a ser aquilo que ele deve ser. Nesta linha, diria que o verdadeiro educador é aquele que diariamente aponta o caminho da sabedoria, uma vez que esta inclui não só o conhecimento, mas também o modo de agir, respeitando este milagre que é a singularidade de cada ser humano.

É, por isso, tempo de desaprender, tempo de abandonar crenças, para vencer o que nos paralisa, nos encerra, nos aliena e estarmos atentos a paradigmas emergentes que nos fazem repensar a escola em busca de propostas que ajudem os nossos filhos na construção do seu projeto vital. Espero que estes filhos que aqui terminam este ciclo, sejam portadores daquela sabedoria e levem lentes para ver, conscientes de que, como diz Sofia, aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo.

Meus Queridos Finalistas

Tenho consciência de que são diversos e poderosos os fios que tecem a malha de mágoas dos alunos que frequentam a escola atual: destaco o défice de sentido de muito do trabalho escolar; a forte seletividade; o acesso ao ensino superior que sob a capa meritocrática de equidade, é forte gerador de angústias e de injustiças; a velha e insensata gramática escolar ancorada na fragmentação dos saberes, dos tempos e dos espaços, transformando-vos na matéria prima de uma cadeia de montagem.

Sendo a escola um lugar de muitas zonas (in)visíveis, um icebergue, um palco e numerosos bastidores (Guerra: 2002), nela residem as amarras e a libertação, o desafio e o medo, a aventura e o castigo, o evidente e o desconhecido, o esforço e a recompensa. Poderemos ainda acrescentar alguma solidão existencial, não obstante o paradoxo das atuais redes, que ligam mas não aproximam.  

Mas porque a escola é igualmente um cais de abrigo, um mundo de pequenos e grandes gestos de humanidade, de atenção, de cuidado e de escuta, recorro a Almada Negreiros para me ajudar hoje, aqui, a dizer o essencial, aquilo que o coração sente:

Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!

As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor! 

José Morais | Diretor Pedagógico