Linhas convergentes
Por Frederico Pimenta
Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.
O presente texto resulta da leitura de uma transcrição elaborada pela D. Bosco de maio/junho/julho do ano de 1947. (1) Foi redigida na revista Verdade e Vida, (2) pertencente aos padres dominicanos e publicada no Porto, sendo esta reveladora de forte importância na década de 40 de 1900. Mais tarde, os mesmos padres dominicanos criaram em Fátima uma livraria com o mesmo nome, que se revelou igualmente um ponto de referência. Terminou a sua existência no ano de 2000.
O extenso texto, transcrito na D. Bosco, translada-se de uma entrevista realizada no Porto, concretamente nas Edições Salesianas, ao seu fundador, o Pe. Humberto Pascoal, (3) devidamente estruturada e abordando o método educativo salesiano. Por vezes, enumera factos específicos da casa do Porto, não desvirtuando em nada o geral do pensamento. Deste documento, elaborámos as linhas que se seguem, procurando manter vivo o espírito empreendedor do P. Pascoal e contribuindo para o aprofundamento do estudo sobre este assunto, aqui cronologicamente acondicionado no ano de 1947, um ano antes da sua partida para Itália, onde assumiu responsabilidade no Centro Catequético Salesiano de Turim.
A Obra Salesiana – e desde este momento seguimos o pensamento do Pe. Pascoal – destinava-se a todos os rapazes com ou sem amparo familiar. Procurava garantir a sua presença no seio familiar e, simultaneamente, aproximá-los do ambiente religioso. Para este objetivo idealizou D. Bosco a ideia do Oratório Festivo, sendo este preferível ao internato. O Oratório foi entendido como uma instalação que mais não era que um espaço onde se realizava o crescimento dos rapazes e se conseguia o acompanhamento da família de forma que pudesse conduzir a ajudas concretas.
O curso de cada rapaz era acompanhado, procurando-se garantir a colocação profissional o mais rapidamente possível e, se tal demorava, para garantir o apoio ao jovem profissional, este podia continuar a manter as refeições e dormida nas instalações da casa salesiana que o acolhera enquanto aluno. A prática agrícola era igualmente vigente, realizando-se nessa altura da entrevista em cerca de 80 casas, no total da Obra espalhada pelo mundo.
Os candidatos ao sacerdócio que se encontravam a estudar em Portugal tinham forçosamente de desenvolver os seus estudos e realizar os exames oficiais. Os que se encontravam preparados para o ensino universitário eram, nessa altura, em número de quatro.
O método seguido nas casas salesianas aproximava-se muito mais do ambiente da fraternidade do que de vigilâncias de aulas ou pátios, procurando dar uma assistência constante baseada na prevenção das faltas que eventualmente pudessem existir. O castigo, no carisma salesiano, estava ausente, sendo a responsabilidade uma constante na forma de educar o rapaz, fazendo-o sentir-se parte de um todo em que era necessário evitar as faltas, para excluir as sanções.
O Pe. Pascoal enumera as casas de educação existentes em Portugal: “Uma no Porto, uma em Vila do Conde, uma em Semide, uma em Lisboa, uma no Estoril e duas em Évora”, tendo sido a primeira presença salesiana localizada em Braga, sentindo-se em todas o apoio das autoridades eclesiásticas.
As iniciativas de beneficência em favor das casas salesianas, de acordo com o Pe. Pascoal, não eram abundantes comparando com outros países. Os pedidos para a presença dos Salesianos surgiam com muita frequência, não havendo condições para respostas positivas. No respeitante ao apoio às raparigas, recordava que as Filhas de Maria Auxiliadora se encontravam em Portugal unicamente desde 1940, tendo desenvolvido desde então um conjunto de cerca de quinze vocações femininas na Obra.
As casas subsidiadas pelo Estado foram aquelas que efetivamente lhe pertenciam e das quais os Salesianos tinham a direção ou aquelas que lhe recorriam quando se sentia necessidade de apoio extra; os subsídios do Estado com caráter fixo não existiam, à exceção dos apoios à casa de Vila do Conde e à Casa Pia de Évora.
A proveniência dos rapazes que frequentavam os ambientes salesianos era variada, dando-se preferência aos mais desamparados, não se notando qualquer dificuldade na aceitação e convivência com os restantes. A dificuldade existente prendia-se com a capacidade de trabalho e aplicação cuidadosa nos trabalhos práticos. Estes rapazes adquiriam um orgulho bastante sadio no desenrolar da sua aprendizagem, tornando-se muito exigentes consigo próprios. Estes trilhos conduziram a vocações nascidas no seio das oficinas, salientando-se a existência de futuros clérigos na seguinte repartição: um alfaiate, três sapateiros e um tipógrafo, que faziam igualmente o acompanhamento no Oratório Festivo. O ambiente entre todos era saudável, incluindo o vivido com os Superiores das casas salesianas. Este bom ambiente dispensava teoricamente a existência de uma organização hierárquica da estrutura de cada presença salesiana; contudo a divisão contemplava um Diretor, um Ecónomo (Prefeito), um Catequista, um Conselheiro, Assistentes e Mestres de Oficina. Os profissionais externos à Obra eram admitidos unicamente como necessidade imperiosa.
O modo de formação dos rapazes incluídos nas casas salesianas passava pela familiaridade existentes entre todos. Recordava o Pe. Pascoal: a razão, o coração e a religião. A humilhação foi permanentemente excluída do método de educação salesiano, sendo excluso, por exemplo, o costume de alcunhas. Os alunos que sobressaiam dos demais eram distinguidos e essa premiação estimulava a confiança existente. Em oposição, os casos de total falta de adaptação ao método educativo implicavam o afastamento do rapaz para não restringir os restantes.
A alimentação comportava as três refeições habituais, a que se agregava uma merenda. Numa época onde a tuberculose era predominante, a alimentação merecia particular cuidado, sendo, de acordo com as palavras do Pe. Pascoal, substanciosa.
Os rapazes trabalhavam cinco horas nos ofícios então existentes: tipografia, encadernação, alfaiataria, sapataria, marcenaria, mecânica, eletromecânica e escultura, no entanto, por diversas dificuldades, nem todos foram sempre exequíveis. Os mestres das oficinas podiam realizar trabalhos que eram vendidos nas encomendas feitas, no exterior do ambiente salesiano.
Os alunos realizavam estudos primários, industriais e comerciais, com os respetivos exames oficiais, sendo os dois últimos em Lisboa, Vila do Conde e Évora.
Os recreios desenvolviam-se por um período de duas horas e meia, diariamente. Tinham frequência de aulas de educação física baseadas em atividades com corrida, excluindo a bola por motivos de saúde e disciplina. A natação, enumera o Pe. Pascoal, por motivo de existência de cuidados de higiene já presentes, não era praticada, estando igualmente associada a nudismo público.
A existência de uma banda, orfeão e teatro compunham a oferta da educação artística dos rapazes das casas salesianas, abrilhantando, por vezes, alguma festa religiosa e mesmo civil.
Na sua formação religiosa, os rapazes tinham missa todos dias, orações da manhã e da noite e a Boa Noite. Comungavam diariamente, ou sempre que possível, tendo aulas de catecismo e moral duas vezes por semana.
O horário das casas balizava-se entre as seis e meia da manhã e as vinte e uma e um quarto. Nas casas de formação era possível a sesta de meia hora. Após a Boa Noite, o silêncio era obrigatório.
A aceitação por parte da sociedade de então foi bastante satisfatória, com mensagens de reconhecimento e apoio ao método educativo. Traço característico, enumerado pelos que testemunhavam o seu desenvolvimento, foi a alegria sentida e transmitida pelos alunos salesianos. Para esta consciência, o Pe. Pascoal destacou a existência da publicação D. Bosco, com uma tiragem de dez mil exemplares, suporte das notícias da comunidade salesiana, e, anuindo ao desafio da Verdade e Vida, manifestou interesse na realização de um filme sobre a obra salesiana.
(1) Dom Bosco, revista da acção e cooperação salesiana, Maio/Junho/Julho, Número 53, 1947.
(2) Verdade e Vida, revista de doutrina, de Apostolado e Obras Sociais, n.º 2, Fevereiro,1947.
(3) Usamos este termo “Pascoal”, acostumado no desenrolar da entrevista em deterioramento de “Pasquale”.