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| Compaixão |– Continuas a escrever o teu livro de palavras?
A pergunta de Nyneve surpreende-me. Endireito-me e olho para ela. A minha amiga, que também está a trabalhar na horta, descansa apoiada na enxada.
– Sim. Porquê?
– Porque te queria oferecer uma palavra. A melhor de todas.
– Ah, sim? Qual é?
– Compaixão. Que, como sabes, é a capacidade de nos colocarmos na pele do próximo e de com ele sentir o que ele sente.
– Sim, agrada-me. Mas por que me dizes que é a melhor?
– Porque é a única das grandes palavras em nome da qual não ferimos, não torturamos, não prendemos e não matamos…. Pelo contrário, evita tudo isso. Há outras palavras muito belas: amor, liberdade, honra, justiça… Mas todas elas, todas, podem ser manipuladas, podem ser utilizadas como armas de arremesso e causar vítimas. Por amor ao seu Deus, os cruzados acendem piras, e por um amor aberrante, os amantes ciumentos matam as suas amadas. Os nobres maltratam e abusam barbaramente dos seus servos em nome de uma hipotética honra; a liberdade de uns pode significar prisão e morte para outros e, quanto à justiça, todos julgam tê-la do seu lado, mesmo os tiranos mais cruéis. Só a compaixão impede estes excessos; é uma ideia que não pode impor-se aos outros a ferro e fogo, porque nos obriga a fazer justamente o contrário. Obriga-nos a aproximamo-nos dos outros, a sentir o que sentem e a compreendê-los… Lembra-te desta palavra, minha Leola. E, quando te lembrares, pensa também um pouco em mim.

Rosa Montero (2006). História do Rei Transparente. Porto: ASA (pp. 409-410)