| Chamemos-lhe Mariana |

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1Mariana, 10º ano, 2º período, ciências e tecnologias. O peso de ser boa aluna, aplicada, versátil, juntamente com o peso que os pais inventaram, empurraram-na para ali. Para aquele curso. O futuro mais risonho, o emprego mais seguro, a vida que os mais velhos já viveram, os exemplos de desemprego, o medo de dececionar os pais que ama e que a amam. Na hora da opção, tudo em cima da mesa, exceto o coração e a vontade da Mariana. O sofrimento da Mariana. O curso de artes na sala ao lado. O lápis a escrever quando devia desenhar. A angústia sufocada a revelar-se nos olhos e nas atitudes. O caminho para o gabinete de psicologia.

Nove e trinta de uma manhã chuvosa. O diretor pedagógico, o diretor de ciclo, a diretora de turma e a psicóloga da Mariana, naquele dia também vestidos de pais, tocam com palavras escolhidas e frases estudadas o coração dos pais da Mariana. Quem vai viver a vida da Mariana? Quanto tempo mais a Mariana irá suportar este peso de não poder ser o que ela é? Haverá algo mais importante que a felicidade e o sorriso da Mariana…?

Os olhos da mãe, uma pessoa doce, revelavam aos poucos aquilo que há muito desejavam revelar. Mas com medo. Os olhos da Mariana são os seus olhos, a vida da Mariana, quase a sua vida. Os mesmos olhos voltaram-se para a direita, repousaram por instantes nos olhos do marido e, num silêncio que nos pareceu muito longo, disseram tudo o que era preciso dizer.

Pelas onze horas chamámos a Mariana à sala de reuniões. O funcionário abriu a porta, a Mariana espreitou. Viu primeiro a diretora de turma e sorriu. Depois, os dois olhos dela, grandes, pararam muito abertos nos quatro olhos dos pais. Foi um silêncio mais longo que todos os outros. A mãe levantou-se, abriu os braços, não disse nada, um abraço de quatro braços transformou-se num abraço de seis. Ficaram assim, de pé, a Mariana e os seus pais. Nós sentados. Chorámos todos enquanto sorríamos. A Mariana viu o sorriso e balbuciou: posso mudar? O pai disse, podes, filha. A Mariana olhou para o teto da sala onde estava o aparelho de ar condicionado e disse em voz alta: Meu Deus, obrigado. E saltou, como se ainda fosse uma criança. Os pais viveram intensamente aquele momento. As mãos da mãe nas mãos da Mariana. Os nossos corações esqueceram-se dos cargos e da função que cada um ali desempenhava. Na sala, apenas existiam pessoas que queriam bem umas às outras.

José Morais | Diretor Pedagógico