| Concurso Uma Aventura Literária 2017 |

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seara_32_05Parabéns aos alunos Marta Fernandes, Madalena Preto, André Custódio, Alexandre Francisco e Laura Gonçalves do 3º Ciclo que souberam fazer Maravilhas com as palavras e foram destacados com uma Menção Honrosa no Concurso Uma Aventura Literária 2017!

A VIDA EM QUEDA LIVRE

Percorriam o céu aberto.

Receoso, Albino A. olhava hesitante esta paisagem desesperante: o azul celeste da manhã primaveril fundia-se debaixo dos seus pés com a terra longínqua e incerta. As vastas nuvens envolviam-nos nas alturas, por entre os ventos de um dia agitado, e o seu coração batia mais velozmente que as hélices ensurdecedoras. Que comoção!
Sob circunstâncias habituais, na serenidade da sua vida de professor universitário, nada disto aconteceria; contudo, sucedera de verdade: inclinava-se agora, inesperadamente, com as entranhas ardentes e o fôlego cortante, sobre uma vista como um sonho, o horizonte, quiçá uma pincelada do mar, e a asa do avião. Talvez após esta aventura meritória de admiração, cessassem de troçar dele, da sua simplicidade enfadonha.

Um dos seus alunos convencera-o a juntar-se-lhe nesta façanha. Osvaldo O. era, de verdade, um jovem bravio, nato nestas peripécias. Tornava-se, muitas vezes, tópico de conversa nos corredores e nas salas de aula, tanto entre colegas como entre professores, célebre pelas suas experiências extremas, uma vez que de tudo tinha feito: fizera “bungee jumping”, saltara de falésias, percorrera telhados de mota, explorara grutas subterrâneas — contavam até que outrora escalara o Evereste! Todavia, talvez o mais notável fosse mesmo ter iniciado este físico convicto no ato de viver a vida no limite.

Osvaldo pousou a mão sobre o ombro vacilante de Albino, perguntando-lhe:

– Pronto para saltar?

O medo refulgia nos olhos do professor. O paraquedas nas suas costas parecia mais pesado.

– Se calhar, tudo isto foi má ideia. Se calhar, seria melhor aterrarmos. Se calhar…

– “Se calhar, se calhar”… – Osvaldo suspirou. – O que seria do mundo se todos assim pensássemos? E se todos os dias desistíssemos por termos dúvidas? Este mundo pertence aos aventureiros, aos que estão despertos, dispostos a descobrir novas dimensões, novos dias, novas filosofias! O que seria de nós se todos aqueles que aspiramos ser se tivessem deixado derrotar pelos “senãos” e pela dúvida?
Albino baixava os olhos, ainda amedrontado perante aquele abismo debaixo deles. E, falando depressa, como se estivesse à espera de ser travado a meio da frase, lamentou- -se:

– Parece tão fácil, vindo de ti, daquele que triunfa no perigo e na dificuldade! Já eu…

– Não são as incertezas que nos definem – encorajou Osvaldo, empolgado, encarando o professor com segurança, agitando os ombros dele –, mas, sim, o que fazemos quando as enfrentamos! E se Einstein não houvesse tido a ousadia de denunciar a gravidade? E se Copérnico não houvesse defendido que giramos em torno do Sol? Então, permaneceríamos todos na antiguidade, na ilusão, na desilusão! Que mais poderemos atrever-nos a ser senão sonhadores que arriscam, que presumem fazer mais e melhor e maior?

Que saberia este intrépido de hesitação?, questionava-se Albino.

– Também eu vacilo – anunciou o jovem, como se lesse mentes –, também eu caio, também eu erro; é apenas humano. De tudo o que vi e passei, somente sei que mais vale tentar e falhar que nem sequer tentar. A vida em si é uma aventura— longa, tumultuosa, não obstante uma aventura! E, se saltarmos hoje, agora, será esta mais uma aventura vivida. – fez uma pausa, expectante. – Então? Saltamos?

Saltaram.

Caíam do céu como a chuva, primeiro subtilmente, depois de uma só vez. Caíam para uma interminável bruma, de braços abertos. Caíam livremente para uma realidade renovada. Cada rajada de vento atravessava-os, percorria-lhes os corpos a cada instante. E, quanto mais fundo caíam, quanto mais longe iam, Albino tinha a sensação de ver o mundo mais de perto.

De quanto serviam os seus conhecimentos, amplos, mas nunca abstratos, se nem viver sabia?, ponderava enquanto via o céu a afastar-se. Porquê viver se não é de verdade? Refutemos a monotonia! Vivamos em queda livre!

Ao abrir o paraquedas, após o sinal de um Osvaldo realizado, desceu à terra ledo e pensativo, observando as contorções das nuvens, a luz nas penas de uma andorinha, os contornos de um pinheiro na distância.
Sabia que, naquele dia, caíra, como se em queda livre, numa nova vida, como um novo homem.

Madalena Preto | 9.ºF