Desde as alterações e ajustes nos currículos dos alunos à redução de alunos por turma e novas regras no concurso dos professores, são várias as mudanças que vão chegar em setembro no regresso às aulas. A ex-ministra Manuela Ferreira Leite alertou esta semana para o perigo das mudanças contínuas na educação e as reformas de Tiago Brandão Rodrigues prometem gerar polémica. O SOL faz um resumo do que já está definido para o arranque do próximo ano letivo.
1- Flexibilização curricular
Uma das grandes novidades no próximo ano letivo será a alteração dos currículos das disciplinas, a chamada flexibilização curricular. O Governo ainda não deu a conhecer os detalhes das alterações, dizendo que só serão aplicadas quando existirem «consensos alargados». No entanto, é já conhecida a intenção de aplicar estas alterações para os alunos que vão frequentar anos escolares em início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos). O secretário de Estado da Educação já fez saber que os currículos das disciplinas serão reduzidos ao «essencial», uma vez que as atuais metas de aprendizagem e os programas das disciplinas «são extensos e não são atingíveis». Será alargada a todas as escolas a gestão de 25% do currículo dos alunos, podendo ser criadas disciplinas extracurriculares ou reforçado o horário semanal de algumas disciplinas. Outra das medidas já conhecida é o «equilíbrio» da carga horária de cada disciplina, estando previsto o reforço das disciplinas de História, Geografia e Educação Física e a possível redução do Português e da Matemática.
2- Regresso da Área Projeto e da Educação para a Cidadania
O Governo vai recuperar, no próximo ano letivo, duas disciplinas: a Área de Projeto e a Educação para a Cidadania, que no passado se chamou Formação Cívica. Estas duas disciplinas tinham desaparecido do currículo dos alunos em 2012 com as alterações do ex-ministro Nuno Crato e em Setembro vão voltar. A Formação Cívica surgiu em 2001 com a ex-secretária de Estado Ana Benavente, durante o governo de António Guterres. Agora, o programa da Educação para a Cidadania vai ser preparado com a secretaria de Estado para a Igualdade, explicou ao Expresso o secretário de Estado da Educação, João Costa, tendo em conta a idade e o ano de escolaridade dos alunos. Serão abordados temas como a literacia financeira, os media, a segurança, a defesa do consumidor ou a saúde. Já o programa da disciplina de Área de Projeto será da responsabilidade de cada escola, dentro da autonomia para gerir 25% do currículo. Nesta disciplina, que vai contar para a nota dos alunos, serão trabalhados projetos interdisciplinares, explicou João Costa.
3- Redução de alunos por turma
A partir de setembro, o número de alunos por turma vai encolher. No entanto, esta redução vai ser aplicada de forma gradual, tendo em conta as «especificidades» de cada escola. Em abril de 2016, o Primeiro-Ministro disse no Parlamento que esta redução terá de ser «concretizada com prioridades» e pondo o «caráter pedagógico» acima da «mera medida administrativa». António Costa entende que são «prioritárias» na redução de alunos por turma as escolas sinalizadas como Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), onde há mais insucesso escolar, e as escolas onde se registem as taxas mais altas de abandono escolar precoce. Na altura, António Costa disse ainda que, antes de reduzir as turmas em todas as escolas do país, o Governo deverá recorrer «às várias ferramentas disponíveis» que passam por «uma gestão do conjunto de turmas» e recorrer «à hipótese do desdobramento de turmas». Segundo as contas do presidente do Conselho Nacional de Educação, David Justino, a redução de turmas para 20 alunos – como querem o PCP, BE e Os Verdes – terá um impacto de 500 a 700 milhões de euros.
4- Descentralização na Educação
Será também no decurso do próximo ano letivo que ficarão definidos os contornos das responsabilidades que vão ser transferidas para as autarquias. Desde o ano letivo de 2015/2016, ainda na anterior legislatura, 15 autarquias assumiram responsabilidades na área da Educação, através de um projeto-piloto. Estas câmaras passaram a poder gerir até 25% dos currículos dos alunos de todos os anos escolares. Desta forma, podem aumentar o número de horas semanais de algumas disciplinas ou até passar a organização do ano letivo para dois semestres. Podem ainda criar disciplinas extracurriculares que se adequem ao contexto regional. Além disso, os municípios vão gerir todo o pessoal não docente e podem contratar professores para as disciplinas locais, caso as escolas não tenham professores para lecionar a disciplina. À exceção das escolas da Parque Escolar, a manutenção dos edifícios também vai ser responsabilidade das câmaras. O Governo quer agora alargar a descentralização a todas as autarquias do país, mas não é claro como se vai compatibilizar a autonomia das escolas com a descentralização. Os sindicatos estão contra e prometem greves e manifestações.
5- Vinculação Extraordinária de professores
Ao todo 3.200 professores vão entrar, em Setembro, para os quadros do Ministério da Educação através da vinculação extraordinária. Podem concorrer a esta vinculação todos os docentes que tenham pelo menos 12 anos de serviço e que contem com cinco contratos anuais nos últimos seis anos. Tendo em conta as listas de colocação de professores publicadas pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) – trabalhadas pelo blogue especialista em estatísticas de educação “De ArLindo” -, das 3.200 vagas disponíveis, 719 lugares destinam-se a professores do 1º. ciclo. Seguem-se outros 501 lugares para Educação Especial e outros 224 para Matemática do ensino secundário. Só estas três disciplinas reúnem, assim, 1.444 vagas (46% do total). Em contrapartida, há quatro disciplinas (Música, Educação Tecnológica, Alemão e Latim e Grego) que não vão vincular qualquer professor. É nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Porto e Alto Minho que mais vagas vão abrir.
6- Regras da «norma travão» alteradas
Em setembro vão também ser alterados os critérios da «norma travão». Trata-se da norma que impede que os professores contratados continuem fora dos quadros indefinidamente. A partir deste ano passam automaticamente aos quadros todos os docentes com quatro contratos anuais, no mesmo grupo de recrutamento e em horário completo. Até aqui esta regra, desenhada pelo ex-ministro da Educação Nuno Crato, era aplicada a todos os docentes com cinco contratos anuais, completos e sucessivos no mesmo grupo de recrutamento. Desta forma, há mais 377 docentes que em Setembro passam aos quadros da função pública. Destes, 195 são docentes de Educação Especial. a que se somam 53 professores do 1.º ciclo e outros 29 de Espanhol. Lisboa e Vale do Tejo é a zona do país com mais docentes nesta situação.
7- Reforço da formação de adultos
O Governo vai reforçar a formação de adultos e abrir mais 32 Centros Qualifica. É nestes centros que as pessoas com mais de 18 anos – que abandonaram a escola sem terem concluído o ensino secundário – podem ter aulas e receber um diploma de competências que lhes confere a equivalência ao 12º ano, quando termina a escolaridade obrigatória. Podem frequentar estas formações, que vêm substituir o programa Novas Oportunidades, todos os adultos que não se encontram nem a estudar nem a trabalhar. Com o reforço dos 32 centros, a rede passa a contar com 300 centros Qualifica.
8- Grupo de recrutamento Língua Gestual Portuguesa
O Ministério da Educação vai criar, durante o próximo ano letivo, um grupo de recrutamento para os professores de Língua Gestual Portuguesa. Desta forma, estes docentes são enquadrados na carreira, deixando de serem considerados como técnicos especializados. É também clarificado o seu posicionamento nos vários concursos de colocação. Para definir alguns critérios do grupo de recrutamento, o Governo criou um grupo de trabalho que vai apresentar um relatório durante o próximo ano letivo. Desta forma, em 2018-2019 estes docentes já vão concorrer a um lugar numa escola dentro do seu grupo de recrutamento. Existem 150 professores de Língua Gestual em Portugal, mas apenas 87 estão, neste momento, a dar aulas aos mais de mil alunos surdos que existem no país, divididos por 23 escolas de referência, onde existe o ensino bilingue. Há ainda outras dez escolas que acolhem alunos surdos em turmas de estudantes ouvintes, não tendo muitas vezes o apoio e os técnicos necessários para o acompanhamento das turmas.
9- Visitas de estudos pagas pelas escolas
O Ministério da Educação vai retomar o pagamento das visitas de estudo aos alunos mais carenciados, do 5.º ao 12.º ano de escolaridade. As visitas deixaram de ser pagas em 2013 durante o resgate financeiro. Esta é outra das medidas já anunciadas para entrar em vigor a partir do próximo ano letivo, confirmou ao i o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues. De acordo com o Orçamento do Estado para 2017, «é reposta a comparticipação para as visitas de estudo programadas no âmbito das atividades curriculares», aos estudantes que fazem parte dos escalões A e B da Ação Social Escolar (ASE), respetivamente em 100% e 50 % do valor total. O custo de cada aluno numa visita de estudo é, no mínimo, entre 8 e 10 euros, dizem as escolas. Neste valor está incluído o transporte, o seguro escolar e as entradas nos locais de visita. A alimentação fica a cargo dos pais. Fora da comparticipação da ASE ficam os alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo (do 1.º ao 4.º ano), cujas visitas são apoiadas pelas autarquias.
10- Manuais escolares gratuitos para alunos do 1.º ao 4.º ano
Pela primeira vez, todos os alunos do 1.º ciclo (do 1.º ao 4.º ano de escolaridade) vão receber de forma gratuita os manuais escolares. No entanto, ao contrário do que aconteceu este ano letivo, apenas os alunos da escola pública ou que frequentem turmas de colégios financiadas pelo Estado vão receber os manuais gratuitamente. Fora desta medida ficam os alunos do ensino privado. Segundo as contas da secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, a distribuição gratuita dos manuais a todo o 1.º ciclo (do 1.º ao 4.º ano) terá um custo de 12 milhões de euros e serão abrangidos cerca de 394 mil alunos. No final do ano letivo, os alunos terão de devolver os manuais à escola e em «bom estado», sob pena de os pais terem de os pagar. Fora da ‘oferta’ estão os livros de fichas, já que o Ministério da Educação entende que «não são recursos didáticos obrigatórios».
Ana Petronilho