A FENPROF organiza uma semana de consulta aos Professores e Educadores para “auscultar a opinião sobre o atual regime de administração e gestão escolar e sobre o(s) sentido(s) que se deve(m) dar à sua revisão”.
A instrução é ‘simples’: Assinale com uma cruz uma das respostas. Se nenhuma das respostas corresponder significativamente à sua opção, escreva a sua própria resposta na linha deixada em branco.
Como dados de caraterização, pede-se o nome da Escola/Agrupamento e o Distrito.
Sobre este “inquérito” é possível sustentar as seguintes teses [mesmo que me dispense aqui de as fundamentar]:
- Este inquérito é uma vergonha concetual. Está construído para pré-determinar as respostas. Mesmo a opção ‘aberta’ é uma pura mistificação [menos 5% dos respondentes vai optar por essa hipótese]
- Este inquérito serve para instrumentalizar os professores no sentido de forçar o agendamento de uma sessão na Assembleia da República para consagrar o regresso heroica à gestão democrática.
- Este inquérito confunde aparentemente de forma deliberada a morfologia de um modelo de gestão com práticas autocráticas e tóxicas de “liderança”.
- Este inquérito sustenta que a formação especializada em gestão escolar é um requisito inútil. E que mais importante do que o conhecimento é “a confiança” dos pares.
- Este inquérito enclausura a escola na sua torre de marfim e contribui para o seu fechamento e anquilose.
- Este inquérito confunde o caráter do órgão (unipessoal ou colegial) com práticas mais autocráticas ou colaborativas.
- Este inquérito promove a diluição da responsabilidade e reforça as dinâmicas de “anarquia organizada”.
- Este inquérito parece querer ignorar que a autonomia da escola só é pensável num quadro de inserção territorial e da construção de um “espaço público deliberativo” e nível local.
- Este inquérito desconfia da autonomia substantiva da escola quando vai apresentar resultados superiores a 95% contra a possibilidade dos órgãos democráticos das escolas contratarem uma parte dos seus docentes.
- Este inquérito é um atestado de menoridade intelectual dos professores pois os quer dispensar de pensar, de problematizar, de discutir as questões centrais da escola. E que não podem ser outras que outros modos de trabalho pedagógico, outros modos de organizar o ensino, as aprendizagens e a avaliação.
Tenho como certas as tendências das respostas. Mais de 90% dos professores respondentes vão dizer que o atual modelo de gestão aumentou as situações de abuso de poder, que a gestão boa é a colegial, que o órgão de gestão deve ser eleito pela ‘comunidade interna’, que não é preciso formação para gerir a hipercomplexidade das escolas [sistemas debilmente articulados e balcanizados], que o conselho pedagógico deve ser deliberativo, que os coordenadores devem ser eleitos pelos pares [provavelmente em regime de rotatividade], etc.
Inquirir sobre a dependência absurda das plataformas centrais, sobre a hipercentralização, sobre a desautorização dos dirigentes, sobre margens de liberdade e autonomia na configuração do modelo, sobre as formas mais eficazes e justas de fazer aprender todos os alunos…. Nada disto interessa. Como professor há mais de 40 anos [e que exerceu funções de presidente de conselho diretivo, de coordenação de departamento, entre diversas outras funções no sistema educativo] sinto este inquérito como um insulto à classe. E que profundamente me entristece por não ver aqui espelhadas as questões centrais do governo das escolas.
J. Matias Alves