Frederico Pimenta
Linhas convergentes
Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.
Como já aconteceu em outras tantas linhas aqui alongadas, recorremos ao Boletim Salesiano, neste momento cronológico denominado D. Bosco (DB)(1), para desta primordial fonte, deixar correr as informações sempre abundantes da vivência dos Salesianos. A transcrição do DB da notícia hoje destacada fez-se da publicação A Voz, datada de 7 de fevereiro de 1947. Destas publicações, a primeira relata e eleva com este destaque um tema perpetuamente incluso no carisma salesiano: a juventude. Como título, surge então no DB: “Quem são os «Sciuciá»?”.(2)
Cronologicamente, este artigo, aprumado no ano de 1947, no A Voz, depressa remete o nosso pensamento para os anos pós 2.ª Guerra Mundial e os momentos igualmente dramáticos que se viveram. Hoje, revivemos esse pensamento, 78 anos após a sua publicação. Como subtítulo, surge a ideia: “Como os salesianos regeneram e restituem ao trabalho os garotos vadios, sem casa, sem família e sem pão”. Neste mesmo momento cronológico, desenrolou-se, no dia 6 de julho de 1947, a ordenação dos Presbíteros Amador dos Anjos Servo, Diamantino da Costa Monteiro, Eladino dos Anjos Alves e Manuel Agostinho Ferreira. Do primeiro, catalogamos, nestes textos semanais, como leitmotiv, a sua obra de investigador na Província Portuguesa da Sociedade Salesiana.
A partilha dos acontecimentos relatados neste número do DB conduz-nos, numa narrativa vibrante, até bem perto do desenvolvimento das novas construções da presença salesiana, iniciada em 1933, no Estoril. O encontro do jornalista de A Voz e o Diretor desta renovada casa salesiana, explica-nos este número do DB, conduziu o diálogo para a assistência aos rapazes e depressa levou à partilha o exemplo vivido em Roma, naqueles instantes cronológicos.
O significado, aventado pelo jornal, indica: “«Sciuciá» corrupção do título dado pelas tropas inglesas, «sho-shine», «engraxador»”. Recordemos que estes momentos têm como espaço a cidade de Roma, pós 2.ª guerra Mundial. O jornalista de A Voz partilha com um companheiro de profissão, estrangeiro, e um grupo de oito missionários salesianos em trânsito para outros lugares uma visita ao Estoril e, concomitante, o trabalho realizado pelos Salesianos, igualmente em Portugal e, no concreto, neste espaço da linha de Cascais. Em Roma, esta realidade era traduzida pela veracidade, referente aos jovens desamparados, de que “A rua era deles. A rua e mais alguma coisa…”.
O termo ficou igualmente agregado ao título de um filme, realizado em 1946, sobre a mesma temática, localizado na cidade de Roma e com a presença do exército americano no território italiano. Vittorio De Sica realizou este trabalho cinematográfico que se tornou num marco importante do neorrealismo italiano.
Somos então colocados perante esta realidade a que os Salesianos deram uma resposta muito positiva e o agradecimento vindo de incontáveis jovens, “aqueles rapazes que reflectem agora nos seus olhos, com agradecimento, o sorriso alegre de seus educadores”.
Tal obra, desenvolvida na cidade italiana, traz subjacente um pequeno jornal, “O primeiro número deste jornal, impresso na Tipografia Vaticana, dirigida pelos Salesianos, é de Maio de 1946”. Da partilha de dois números desta publicação, feita no Estoril entre os interlocutores, surge a descrição dos centros de assistência que existiam em número de treze, na cidade de Roma. Curiosíssima a comparação desta imprensa escrita e a importância dada pelos Salesianos, em especial o Fundador, ao poder da comunicação, “Não dizíamos nós que Salesianos e jornalistas são irmãos?”
Os Centros, atrás indicados, tiveram um papel importantíssimo no apoio à sociedade, apresentando números invejáveis no acompanhamento de diferentes necessidades, das quais se destaca a alimentação, saúde, apoio aos reclusos, escolas, atividades lúdicas e religiosas, entre outras. Além de tudo isto, fizeram jus ao pensamento de D. Bosco quando alude às transformações operadas numa urbe: “Quem quiser regenerar uma cidade ou povoação não tem outro meio mais poderoso: comece por abrir um oratório festivo”.
Os documentos jornalísticos trocados pelos personagens desta notícia imprimiam o termo “Sciuciá” subjacente a “Ragazzi di Bom Bosco” e eram o órgão oficial da Obra Salesiana de Assistência aos Rapazes da rua, nascida em março de 1945. “As fotografias que esmaltam estes jornais, esmaltam, ao mesmo tempo um poema de amor e caridade”. No espaço português, uma vez mais, essa sintonia sentia-se no rosto dos jovens ávidos dos ambientes salesianos como ilustra o documento fotográfico que introduzimos no início deste texto (3). Igualmente, semelhante reflexo se vislumbrou no dia 8 de dezembro de 1945 aquando da primeira edição do jornal “O Oratório”, criado em Vila do Conde, na Escola Profissional de Santa Clara. A universalidade da obra de D. Bosco expandiu-se, através destas pequenas publicações, pelos diferentes locais.
O artigo “Quem são os «Sciuciá»” termina, tendo como base esta realidade salesiana de Roma, evocando três importantes personalidades do carisma salesiano: “D. Bosco e D. Ricaldone, são, com Pio XII, nomes que ilustrarão a história da salvação dos rapazes de Roma no rescaldo desta guerra”.
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- D. Bosco – Revista da ação e cooperação Salesiana, Ano VI, Número 52, Fevereiro, Março, Abril, 1947.
- As citações foram retiradas, na sua totalidade, do D. Bosco indicado.
- Oratório Festivo das Oficinas de S. José, 1947.
Dom Bosco, Orgão dos cooperadores salesianos em Portugal, Ano VI, Número 53. Maio/ Junho/ Julho, 1947.