Filipe Flamino
O Último Cabalista de Lisboa de Richard Zimler retrata o ponto de vista de Berequias Zarco, cristão novo na época quinhentista, quando descobre o seu tio e mestre cabalista morto na cave onde praticavam em segredo o judaísmo.
Com efeito, ao longo da ação, o protagonista procura resolver o mistério do homicídio, enquanto Lisboa se encontra mergulhada no caos das perseguições religiosas e autos de fé, enfrentando a morte de amigos e família e descobrindo que a sua própria comunidade possui segredos obscuros. Assim, sozinho e vivendo um conflito interior, Berequias descobre que o assassino fora um amigo chegado, motivado pela inveja dos conhecimentos do mestre.
Em primeiro lugar, este é um livro muito emocionante, mergulhando o leitor na tristeza e espanto através da detalhada exploração das atrocidades cometidas contra os cristãos-novos nesta época. Deste modo, a descrição em primeira pessoa dos intensos momentos e situações enfrentados por Berequias de modo algum deixarão o leitor indiferente. Exemplificando, é desesperante o capítulo em que o protagonista regressa à cidade sem se aperceber que ocorrera um grande motim na sua ausência e encontra a judaria destruída, sendo transmitida perfeitamente a intensa ansiedade de desconhecer o paradeiro da família ou se sequer sobreviveu.
Em segundo lugar, O Último Cabalista de Lisboa é uma obra de elevado interesse didático. Na verdade, a vertente histórica dos massacres incitados pelos frades face às crises económicas e surtos de peste é relatada com rigoroso realismo em relação à sociedade portuguesa quinhentista. Além disso, o modo aprofundado como se retrata o estudo cabalístico, isto é, a interpretação de textos sagrados numa procura de símbolos e significados místicos ocultos é fascinante, assim como as crenças e maneira tradicional, baseada na religiosidade, de pensar das personagens dá um leitor uma nova perspetiva da época e dos costumes judaicos. Por exemplo, na busca do assassino, Berequias procura interpretar sinais em acontecimentos que antecedem a morte do tio, refletindo sobre sonhos e os ensinamentos do mestre, com base no judaísmo.
Em suma, O Último Cabalista de Lisboa é um brilhante livro que retrata o testemunho de Berequias Zarco que investiga o homicídio do seu tio numa Lisboa revoltada e mergulhada no caos. Esta narrativa desperta no leitor grande emoção, estando marcada pela tristeza e brutalidade dos eventos e cruéis destinos dos amados do protagonista, sempre surpreendentes na sua frieza. Por fim, é notável o caráter didático da obra, uma vez que esta transporta o leitor para a época quinhentista com elevado realismo e pormenor, dando ainda a conhecer a tradição cabalística e judaica ao longo da história, deixando o leitor imerso na incrível ação.
Filipe Flamino, 11.º T5