«Ecologia Integral à luz da Laudato Si’»
Ação de Formação para o Grupo 290 (EMRC)
(2ª sessão)
No passado dia 30 de novembro, decorreu a segunda de três sessões agendadas para a Ação de Formação «Ecologia Integral à luz da Laudato Si’. Interpelações à Educação Moral e Religiosa Católica. A formação está a ser promovida pela Faculdade de Teologia, em parceria com o Secretariado Nacional da Educação Cristã e com os Secretariados Diocesanos de Educação Moral e Religiosa Católica das Dioceses de Lisboa e Setúbal. Desenvolveu-se, ao longo de todo o dia, nas instalações dos Salesianos de Lisboa, contando com a presença de cerca de 60 Professores de EMRC, provenientes das Dioceses do Algarve, Leiria-Fátima, Lisboa e Setúbal.
O tema escolhido para esta Ação de Formação, deve-se à falta de aprofundamento da Encíclica Laudato Si’ («Louvado Sejas»). Embora tenha sido publicada em 2015, só após estes anos é que as comunidades cristãs estão a começar a aprofundar os seus conteúdos. Outro fator que levou a escolher o tema, prende-se com a própria disciplina, uma vez que o programa foi renovado em 2014, e por isso, a Laudato Si’ ainda não está integrada no mesmo.
Nesta sessão, contamos com a presença de três Professores da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.
«O Evangelho da criação» – Uma reflexão a partir da tradição judaico-cristã, a fim de dar maior coerência ao compromisso com o cuidado da casa comum.
O primeiro momento da formação, contou com a presença do Professor Armindo Vaz, doutorado em Teologia Bíblica. Nas suas áreas de estudo, destacam-se as Narrativas Bíblicas da Criação.
A reflexão incidiu sobre o segundo capítulo da Laudato Si’. Pudemos recordar o que nos relatam os textos da Criação, nos capítulos 1 e 2 do livro do Génesis. Nestes capítulos, o género literário utilizado denomina-se de mito de origem ou de criação, que é comum nas culturas do Antigo Oriente. Importa destacar que o mito não é uma mentira, mas sim uma interpretação das coisas por meio da fé; é uma linguagem da fé, com o objetivo de olhar para o mundo. No capítulo 1 do livro do Génesis, conseguimos compreender que existe uma harmonia na forma como o mundo funciona, onde estão integrados todos os seres.
Explicitou-se o sentido da palavra “dominar”, que consta no livro do Génesis, relativamente à posição do ser humano perante os animais. Esse “dominar” não nos dá o direito de exterminar a natureza, porque a Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo que se desinteressa das outras criaturas. Deste modo, na génese da palavra, “dominar” significa cuidar, dispor dos benefícios que a natureza nos dá de forma responsável, ou seja, implica uma relação responsável entre ser o humano e a natureza. Assim, o texto desafia-nos a ter uma relação fraterna com o mundo.
Destacou-se o sentido de unidade e de congregação que o ser humano tem capacidade de realizar, pois cada elemento do planeta é fundamental para manter o equilíbrio. Esse equilíbrio verifica-se no cuidado que existe para com as coisas e os outros seres, pois quem não cuida das coisas, dificilmente cuida das pessoas; porque tratar bem, pressupõe respeito e cuidado pela natureza e as coisas. Não podemos ser crentes e ter uma boa relação com Deus se ignoramos e maltratamos o mundo em que vivemos. A má relação com a natureza, pode suceder quando nos esquecemos da existência de um Deus Criador, que tudo congrega, fazendo com que o ser humano O substitua por outros poderes do mundo.
Não podemos ignorar o facto de a espiritualidade ter uma palavra a dizer sobre a questão ecológica. Se existe uma crise de espiritualidade e de valores, essa terá consequências ambientais. Recordemos que, primeiramente, a palavra Criação só tinha sentido teológico, para expressar que as coisas, as pessoas e o mundo, foram criados pela divindade, por Deus.
É urgente cuidar da casa comum e da família humana.
«A raiz humana da crise ecológica» – Procura-se chegar às raízes da situação atual, de modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas, propondo assim uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia.
O segundo momento de formação, que decorreu ainda no período da manhã, contou com a presença do Professor António Martins. Formado em Teologia Sistemática, tem orientado a sua investigação na relação entre Antropologia Teológica, Cristologia e Mistério de Deus.
Refletiu-se sobre o terceiro capítulo da Laudato Si’, onde se procurou ir à raiz da Criação, ou seja, ao modo como nos relacionamos connosco próprios e com o que nos rodeia.
A técnica, e o seu desenvolvimento, sucede das necessidades provenientes da experiência dos nossos limites corporais. Deste modo, a técnica surge como expressão da criatividade humana dada por Deus.
A encíclica alerta-nos para o poder da técnica, que pode significar o poder de poucos sobre muitos; tal como se constatou nos regimes totalitários do século XX, que abusaram do uso da técnica. Neste sentido, refere-se também que precisamos de ser educados para o desejo e para os limites das coisas.
Vivemos um tempo de mudança, em que nos questionamos se é o ser humano que domina a técnica, ou se é a técnica que domina o ser humano. A técnica é fundamental, mas não podemos estar dependentes dela. Precisamos de encontrar novos caminhos e de estar atentos às mudanças.
A realidade fala-nos de Deus e, por isso, Deus dá-nos dois livros para ler: o livro das Escrituras e o livro da Criação, que é visível aos olhos de todos.
O desenvolvimento tecnológico sucedeu a alto preço, porque o ser humano manipula a natureza consoante a sua vontade. Alguns autores culpam o cristianismo devido ao sentido da palavra “dominar”, que exploramos anteriormente, por apresentar o ser humano como medida de todas as coisas. Não se pode dizer que o cristianismo esteja isento desta responsabilidade, mas também não se pode culpar, porque ao retirarmos versículos do seu contexto, poderemos encarar diversas interpretações.
É essencial que respeitemos os limites da nossa experiência, quer do corpo, quer das realidades, que levarão a um desenvolvimento humano mais saudável.
«Uma ecologia integral» – Grandes linhas de diálogo e de ação que envolvem seja cada um de nós seja a política internacional.
Da parte da tarde, decorreu o último momento da formação do dia, que contou com a presença do Professor Jerónimo Trigo, doutor em Teologia Moral. As suas principais áreas de investigação são a autonomia pessoal no âmbito da teologia moral e temas diretamente implicados.
Aprofundou-se o capítulo quarto da Laudato Si’, que nos ajudou a refletir sobre o conceito de ecologia integral, onde é percetível que tudo está interligado. Este conceito surge como resposta aos problemas ambientais, económicos e sociais. Deste modo, cabe neste conceito uma ligação entre a preocupação com o meio ambiente e com os problemas da sociedade. Assim, é essencial buscar soluções integrais, pois não há duas crises separadas, devendo ser tratadas em simultâneo. A crise ecológica surge como consequência das crises ética, cultural e espiritual.
O ser humano encontra-se num período de consciencialização, em que é preciso repensar o desenvolvimento da técnica, pois esta não nos ensinou para a responsabilidade, os valores e a consciência.
Tal como na maioria das coisas básicas da nossa vivência em sociedade, é na família que se faz a formação integral e onde se desenvolvem os diversos aspetos.
A Terra foi criada para todos. Se é de todos, nenhum de nós pode dizer que é sua. Assim, pensar em ecologia humana é não se poder separar do bem comum, nem prescindir da relação com os outros e com Deus.
A Ação de Formação está a abrir horizontes aos participantes, pelas possibilidades de leitura realizadas a partir da Laudato Si’. A última sessão decorrerá no dia 7 de dezembro, também nas instalações dos Salesianos de Lisboa.
Joana Veigas | Professora