Eu fui ao Kruger. Estava ali pelo Maputo, fiz uma pausa de três dias e fui visitar o parque natural mais famoso de África. Ih! Tanta bicharada, daquela com quem a gente gosta bué de brincar, os jacarés submersos, mas atentos ao menor bulício, as leoas assustando tudo e todos porque num ápice esventram um bambi inocente, tripas de fora e tudo, as serpentes, enroscadinhas, e mais adiante, no segundo andar, as girafas com o pescoço a perder-se no horizonte. E a passarada, tanta cor que não conseguiu chegar aqui à Europa.
O que mais me impressionou, logo à primeira vista, foi a organização da segurança que os bichos adultos preparam ao milímetro para proteger as suas crias. Parecem pessoas. Não, se fossem pessoas não eram assim tão meticulosas e atentas a todos os pormenores. Eram mesmo animais, ditos selvagens, mas com sentimentos e afetos que parecem bem mais fortes que os dos humanos. Morrem pelos filhos. E não os deixam fechados nos carros a morrer de calor.
Eu explico melhor. Mal tinha acabado de entrar no Parque, o autocarro teve de parar. Era uma família de elefantes que começava a atravessar a estrada. Os animais têm sempre prioridade sobre as pessoas. Mas o que mais me impressionou foi a minúcia, a prevenção do risco, a proteção às criancinhas mais pequenas, dos elefantes, claro, que caminhavam protegidas por duas muralhas intransponíveis. Vejam só: os adultos formaram duas colunas, os grandalhões à frente, a impor respeito, e cada uma das colunas formada por elefantes adultos, por ordem decrescente de altura. E lá bem no meio das duas colunas de gigantes, seguia a coluna de crianças e bebés, alguns já iniciados na marcha, outros que era preciso conduzir pendurados nos trombis dos mais crescidos. Que maravilha! Onde já se viu família humana com laços mais fortes, com esta atenção prioritária e dominante às crianças indefesas, com esta força de sentimentos que nos comovem até às lágrimas?
E não se trata da família restrita, pai, mãe, filho, é a família alargada, toda a comunidade de elefantes, avós, pais, tios, irmãos, primos, sobrinhos, netos, bisnetos, igual pró feminino, que elas não são menos que eles. Se fossem pessoas como poderíamos chamar a este fenómeno? União familiar? Sim, mas é pouco. É um nó de sentimentos, de laços, de afetos, de compromissos, de entregas, de vidas que estão intrinsecamente ligadas e interdependentes. Vidas inseparáveis.
Oh estúpido, tu não vês que são apenas elefantes, os elefantes produzem marfim, que rende uma pipa de massa, ainda se vende a carne, mais de uma tonelada por animal, ficas rico em pouco tempo. É aqui que está a diferença entre a animalidade e bestialidade do homem e a humanidade do elefante. Eu quero viver com os elefantes. Já viram o que é os meus netos poderem atravessar o Kruger no meio de duas muralhas imbatíveis e ainda por cima a conviver com animais civilizados!
E agora vem a escola. Será que daria a gente contratar esta família de elefantes para eles introduzirem aí o clima de afetos e de sentimentos que tornem as crianças felizes, com espírito de entreajuda, com o sucesso de todos, sem medos nem inseguranças? E sobretudo com a certeza de chegarem ao fim da viagem com todos os objetivos cumpridos? Sim porque isso faz parte do código deontológico dos elefantes: nenhum dos seus membros é expulso, nenhum é abandonado pelo caminho. Todos caminham juntinhos. Se eles pusessem nas nossas escolas este clima afetivo, este espírito de entreajuda e este compromisso de não deixar ninguém para trás, não precisávamos cá de mais doutores, muito menos os que estão lá em cima a mandar bitaites para tudo.
José Afonso Baptista