O que nos dizem os livros…

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Matilde Raposo Em suma, apesar de a obra não conter uma linha narrativa muito sólida por ter sido editada após o falecimento de Albert Camus, é curioso o confronto que obriga o leitor a ter com a perceção da felicidade, e de como esta pode ser atingida. Na verdade, nas suas páginas, há desespero, solidão e existencialismo, o que torna o enredo envolvente. A Morte Feliz é o primeiro manuscrito de Albert Camus, redigido em 1936, embora apenas tenha sido publicado após a sua morte, em 1971. Esta fascinante obra está dividida em duas partes, “A morte natural” e “A morte consciente”. No início da narração, o leitor assiste à história de Patrice Mersault, um jovem operário de classe baixa que leva uma vida monótona, solitária e repleta de rotinas. A sua amante do momento apresenta-o a Roland Zagreus, um homem com uma grande fortuna e que afirma acreditar que o dinheiro é uma condição necessária para atingir a felicidade. Assim, movido por este ideal, Mersault mata Zagreus de modo a ficar com os seus bens. De seguida, no segundo momento, é narrada a viagem do protagonista pela Europa Central numa busca incessante pela felicidade. No entanto, como permanece vagamente insatisfeito, retorna mais tarde à sua terra natal, onde encontra uma morte feliz. Em primeiro lugar, é de louvar a maneira como o autor consegue descrever o desencanto pelo trabalho e o vazio sentido pela personagem principal no seu dia a dia. De facto, no decorrer da primeira parte da ação, o leitor é capaz de reconhecer e de, possivelmente, se identificar com esta realidade, que é cada vez mais evidente, e a existência de um desalento partilhado por muitos. O protagonista torna-se, então, num porta-voz dessas pessoas que levam uma vida monótona, tal como é exemplo a fala de Mersault “Aborreço-me. […]Tenho vontade de me casar, de me suicidar, ou então de me tornar assinante de L’Illustration. Sei lá… um gesto desesperado.”. Além disso, é de realçar o ponto de vista de Zagreus acerca da importância que o dinheiro tem no grau de felicidade do Homem. Na verdade, a partir do discurso desta personagem, num diálogo com Mersault, é exposta a noção de que para se ser feliz é necessário haver tempo, que, por sua vez, é atingido através do trabalho de modo a proporcionar riqueza. No entanto, como trabalhar para ganhar dinheiro suficiente ocupa o tempo todo, fecha-se, assim, o ciclo da ideia que prevalece ainda nos dias que correm de que a felicidade parece impossível de atingir. Contudo, considerando que se trata do primeiro livro do autor, só publicado após a sua morte, é percetível que este carece de uma estrutura literária que facilite o entendimento dos objetivos, apresentando, por vezes, fragmentos mal conectados, como um rascunho. Do mesmo modo, a escrita pode tornar-se demasiado densa e quase supérflua em algumas instâncias. Em suma, apesar de a obra não conter uma linha narrativa muito sólida por ter sido editada após o falecimento de Albert Camus, é curioso o confronto que obriga o leitor a ter com a perceção da felicidade, e de como esta pode ser atingida. Na verdade, nas suas páginas, há desespero, solidão e existencialismo, o que torna o enredo envolvente. Matilde Raposo, 12.ºT5