1. Um sistema educativo doente.
O ranking das escolas (sobretudo se for conjugado com a análise dos contextos, da progressão dos resultados, do valor esperado face ao contexto ….) veicula uma informação útil que nos deve mobilizar para compreender os múltiplos fatores que geram estes resultados. E estes fatores têm necessariamente a ver com as políticas educativas, com os modos de governo das escolas, com a gramática escolar, com o contexto escolar, com as práticas pedagógicas, com o efeito professor…
Não obstante esta multiplicidade, o ranking é um termómetro. Diz-nos que o sistema está doente. Não nos diz é porque é que está tão doente.
2. Um sistema educativo excessivamente focado na medida dos resultados.
Embora diga a doença, é preciso, neste particular, ter presente que estes não são todos os resultados da ação educativa. As escolas produzem muitos resultados que os exames não podem avaliar nem medir. Por isso, é sempre muito recomendável ter presente que há resultados certamente obtidos – e que são essenciais para a vida pessoal e social – e que são ignorados por esta medição.
Daqui se conclui que não podemos julgar as escolas apenas por estes indicadores.
3. Um sistema promotor de mais igualdade de sucesso.
Estes dados confirmam o que já sabemos. O sistema educativo reproduz desigualdades sociais e pode até reforçá-las. Revelam um país a várias velocidades. Denuncia um grave atentado ao direito à igualdade de oportunidades de sucesso. O ‘efeito Mateus’ é aqui revelado em todo o seu esplendor: quem tem mais e melhores condições (de organização, de gestão, de recursos, de públicos….) tem mais e melhores resultados. Quem tem menos, menos tem. Precisamos de inverter este ciclo através de políticas e práticas mais eficazes de discriminação positiva.
4. Mudar de paradigma de governo da educação.
As notas anteriores indiciam a imperiosa necessidade de mudanças (positivas). Desde logo o modo de governar a educação portuguesa. Enquanto o paradigma for fundado na lógica centralista do “comando e do controlo” estaremos sempre perdidos neste mundo de enganos e de faz de conta. Precisamos, decididamente, de um sistema mais adulto, mais radicalmente descentralizado, mais livre, mais autónomo, mais responsável, mais inscrito nos territórios sociais, culturais, económicos onde as escolas estão inseridas. Isto é uma condição “sine qua non” para sairmos deste pântano. E neste quadro, exigir do Estado uma atenção particular no apoio a quem mais precisa.
5. Mudar de paradigma profissional.
Os professores têm vindo a ser reféns de uma política que os menoriza e desautoriza quase todos os dias. E também têm – devemos reconhecê-lo – contribuído para isso. Em nome de outros patamares de qualidade dos processos e resultados, precisamos de proporcionar aos professores condições para que queiram ser mais autores da sua prática profissional, mais criadores de oportunidades, mais decisores pedagógicos e organizacionais de modo a adequar o ensino aos muitos públicos que habitam as nossas escolas. E este eixo de ação é mesmo uma condição de sobrevivência profissional, um modo de não abandonar uma profissão cada vez mais impossível.
6. Mudar o experimentalismo constante através do Diário da República.
Pensar que os processos e os resultados educativos se obtêm através de novas leis, de novos programas, de novos regulamentos, de novos despachos é uma ruinosa ilusão.
Pelo contrário, poderíamos até definir como axioma: quando mais mudanças, mais experiências forem decretadas através do diário de república e seus apêndices normativos, mais difícil será elevar os padrões de qualidade educativa. A estabilidade de referenciais e estímulo determinado à ousadia e invenção nas próprias escolas é o caminho a seguir.
7. Mudar as crenças do “bode expiatório”.
Face às doenças do sistema, recorremos quase sempre ao “bode expiatório”. A culpa é sempre dos outros: do ministério, do sistema, do contexto socioeconómico, dos alunos (que não querem estudar), dos programas, das famílias, dos professores, das escolas, variando a causa em função do autor da visão.
Temos de admitir que a responsabilidade (em graus variáveis, evidentemente) é todos. E cada uma das partes tem de se determinar a procurar a sua quota-parte na cura necessária. Ninguém já fez tudo o que poderia fazer para melhorar os resultados escolares. Precisamos de avançar numa aposta decisiva numa contratualização entre as partes que têm uma palavra (substantiva) a dizer na elevação das oportunidades de sucesso.
8. Mudar o paradigma da avaliação dos professores.
A avaliação dos docentes, tal como está, só serve para destruir a profissão, para dificultar (ou mesmo impedir) a emergência de uma cultura profissional mais colaborativa e exigente, mais apta a melhorar os modos de ensino. Quanto mais depressa acabarmos com este mito melhor. E colocar a avaliação efetivamente ao serviço do desenvolvimento profissional e organizacional.
9. Mudar o paradigma da formação contínua dos professores.
O último ECD quase destruiu o direito e a responsabilidade individual da formação contínua dos docentes. Precisamos de re-introduzir dispositivos de incentivo à auto-formação e acabar de vez com o mito do presencismo nas escolas. Porque o saber e o saber fazer são os ingredientes essenciais numa profissão cada vez mais exigente. A valorização da procura individual da formação e a parceria ministério-universidades no incremento desta aposta é um caminho essencial.
10. Ver para além da montanha.
Por fim, como síntese, é preciso não ficarmos por aqui, por estas análise de glorificação e de miséria. É preciso ver para além dos resultados. É preciso dar meios à escolas para elas poderem sair, pelos próprios pés, do estado em que se encontram. Não precisamos de grandes programas ministeriais. Precisamos apenas que o MEC confie nas inteligências e nas vontades dos professores e das escolas e as acenda.
J. Matias Alves