No ano de 1917, imediatamente no 1.º mês desse ano, o Pe. Paolo Albera dá nota do trabalho desenvolvido no Piemonte com a criação do Instituto Don Bosco para órfãos de guerra, inaugurado no mês de outubro do ano anterior. É evidente que este olhar, predominantemente orientado para as crianças, não excluiu os mais necessitados e as notícias de apoio a soldados existem igualmente com o mesmo carinho. Linhas convergentes _____________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Os anos de 1914 e 1915 trouxeram mais um momento de instabilidade a juntar aos então existentes no nosso país, com a indecisão da entrada de Portugal na 1.ª Guerra Mundial. As forças republicanas cedo se consideraram partidárias da entrada no conflito por motivo da manutenção dos territórios em África. O interesse que esses territórios exerciam sobre a Alemanha levaram, pela parte portuguesa, à sua inclusão no espírito bélico que percorria a Europa. Em 1915, Pimenta de Castro, (1) que exerceu diversos cargos no I e IX governos republicanos, enquanto Ministro da Guerra de Portugal, preparou a intervenção de Portugal no conflito. O saldo deste episódio foi dramático para os portugueses no que respeita a vidas perdidas e condições de sustento difíceis. Recorde-se que as instalações das Oficinas de S. José se encontravam ocupadas por militares e as movimentações ligadas aos Salesianos suspensas, embora se enumerem atividades realizadas no âmbito da catequese, assistência religiosa e uso da capela, por exemplo, o que levou ao bloqueamento total de uma leve tentativa de reabertura das instalações, no ano de 1912. Pela Europa, os sinais de mais um momento violento e perturbante da História tiveram como consequência a necessidade de dar uma resposta válida perante a preocupação emergente relativamente às crianças e jovens. As diferentes nações criaram soluções ou, pelo menos, tentaram dar algum conforto aos desvalidos da sociedade que aumentaram devido a esta guerra. “Os massacres, as destruições e as suas sequelas, originados durante a Primeira Guerra tornaram-se particularmente difíceis de superar na Europa.” (2) Centralizamo-nos em duas datas que se encontram relacionadas com o período da História que, em Portugal, abrange os acontecimentos no momento da ocupação das instalações salesianas por parte de entidades estatais. Assim, dos anos de 1917 e 1920 respigamos, do Boletim Salesiano em idioma italiano, os elementos que os percorrem, sob a baliza da 1.ª Guerra Mundial, referentes, especialmente, ao espaço geográfico italiano. No ano de 1917, (3) imediatamente no 1.º mês desse ano, o Pe. Paolo Albera dá nota do trabalho desenvolvido no Piemonte com a criação do Instituto Don Bosco para órfãos de guerra, inaugurado no mês de outubro do ano anterior. É evidente que este olhar, predominantemente orientado para as crianças, não excluiu os mais necessitados e as notícias de apoio a soldados existem igualmente com o mesmo carinho. No Boletim do mês de junho, (4) testemunha-se a alegria sentida, juntamente com os cuidados de uma formação cuidada, que repassa no Instituto de D. Bosco de Monte Oliveto, perto de Pinerolo, com a presença de 50 crianças entregues aos cuidados dos Salesianos. Igualmente, as Filhas de Maria Auxiliadora, em Alessandria, criam um asilo para os menores de sete anos, cuidando de trinta crianças. Estes dois exemplos são aprofundados na edição de agosto do Boletim. De igual forma, nos Boletins de julho (5) e novembro, (6) reportando-nos à cidade de Roma, concretamente na Escola prática de agricultura do hospício do S. Coração de Jesus, donde provém o documento fotográfico que encabeça este ensaio, surge estruturado, baseado no pensamento de D. Bosco, o acompanhamento de futuros regedores agrários destas crianças traumatizadas pelo conflito. No número de setembro desse ano de 1917, (7) apresenta-se o número de 20 crianças que estão ao cuidado do Instituto de Sta. Teresa, em Chieri. O mesmo sucedeu em Grugliasco, no Instituto de Domingos Sávio, no que respeita ao refúgio a estes infantes desprotegidos, facto que vem testemunhado nas edições de outubro (8) e dezembro. (9) Realizado em Genebra, de 26 a 29 de fevereiro de 1920, o 1.º Congresso Internacional da guerra na Europa demonstrou a influência que a congregação teve, especialmente na Europa, no acolhimento aos mais desfavorecidos, desde soldados a presos, mutilados e, em especial, as crianças. Da súmula desse encontro ressaltam números que referem toda essa importância. Nas regiões da Baviera, Polónia, Áustria e Jugoslávia registou-se o surgimento de 13 novas obras salesianas de proteção aos jovens, especialmente provenientes de zonas de guerra. O número de órfãos acolhidos distribui-se do seguinte modo: de Itália, 426; da Áustria, 131; da Baviera, 143; da Bélgica, 179; do Egipto, 53; da Jugoslávia, 34; da Polónia, 186; da Turquia, 110; e da Hungria, 22. “Quante lagrime asciugate, quanti dolori leniti, quante parole di conforto dette dai zelanti Figli di Don Bosco!” (10) Cremos que estes números são escassos perante tamanha tragédia vivida. Neste contexto, em relação a Portugal, surge uma proposta formulada ao Conselho Geral da Congregação Salesiana, em documento existente e consultado pelo Pe. Amadeus Anjos Servo, em Roma, com data de 1917. A proposta foi dinamizada e custeada pela duquesa de Cadaval que, de Paris, propunha a criação de uma instituição para apoio aos órfãos de guerra, na cidade de Lisboa e em concreto nas instalações das Oficinas de S. José. (11) Esta proposta não se concretizou. Devolvidas as Oficinas de S. José aos legítimos proprietários, em 1920, retoma-se, neste caso concreto, o desígnio da presença salesiana em Lisboa com maior constância nos aspetos da atividade de benemerência aos mais necessitados. Nos anos seguintes notou-se alguma mutação positiva: “ter em conta que também se assinalaram alguns indícios de maior estabilidade a partir de 1922” (12) nos campos político e social, embora momentaneamente. O desenvolvimento do trabalho iniciado nas instalações dos Prazeres em 1906 continuou assim com persistência e, em jeito de conclusão, recordo que, no Boletim Salesiano de 1921, em italiano, (13) surgiu o artigo subsequente, do qual proponho a seguinte tradução: No Estrangeiro LISBOA – RETOMANDO O TRABALHO – Escrevem-nos da capital de Portugal: A Obra Salesiana está a ressurgir para uma nova vida. No ano passado, logo que libertado o Instituto (tinha sido requisitado para hospital militar) e apenas se puderam fazer as mais urgentes reparações, reabriram-se as escolas externas que rapidamente foram povoadas por mais de 130 rapazinhos. Este número podia ser mais que redobrado se não faltassem as coisas necessárias. No próximo ano, se Deus quiser, sem negligenciar os externos, pensa-se reabrir o internato com as várias oficinas. As dificuldades não são poucas, mas os bons Cooperadores que já demonstraram tanta simpatia pela benéfica obra de D. Bosco não deixarão de assisti-la também no futuro, ajudando-a a triunfar sobre cada obstáculo. __________________________________________________________________ (1) General e político. Nasceu em 1846 e morreu em 1918. (2) Garcia, José Manuel, História de Portugal, uma visão global, Editorial Presença, Lisboa, 1981. (3) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 1, 2 Gennaio 1917. (4) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 6, 1 Giugno 1917. (5) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 7, 1 Luglio 1917. (6) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 11, 1 Novembre 1917. (7) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 9, 1 Settembre 1917. (8) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 10, 1 Ottobre 1917. (9) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLI – N. 12, 1 Dicembre 1917. (10) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLIV – N. 4, 2 Aprile 1920. (11) Servo, Amador Anjos, Oficinas de S. José, os salesianos em Lisboa, Lisboa, 1999. (12) Garcia, José Manuel, História de Portugal, uma visão global, Editorial Presença, Lisboa, 1981. (13) Bolletino Salesiano, periodico mensile dei cooperatori di Don Bosco, Anno XLV – N. 10, Ottobre 1921.