Linhas convergentes
Por Frederico Pimenta
Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.
1963 – Oratório Festivo “S. José Operário” – Baixa da Banheira
Na observação da Crónica do Oratório, localizado no lugar de Baixa da Banheira, distrito de Setúbal, verificamos a descrição do ambiente social, político e religioso desta região. A valência industrial da zona originou um conjunto populacional de cerca de 19 mil habitantes na data encimada. Díspares propostas sociais, políticas e religiosas, entre outras, circulavam pelo envolvente desta região da margem sul do rio Tejo. Neste local criou-se, então, um Oratório Festivo a cargo dos Salesianos e das comunidades do Estoril e Lisboa, concretamente. A ele se refere o Pe. Amador Anjos, “mas os de Setúbal e Baixa da Banheira tiveram a breve duração de um ano: 1953-54 e 1963-64 respetivamente”. (1) Deste último, abordaremos, neste artigo, a sua dinâmica, baseados na respetiva Crónica.
A população escolar desenvolvia as suas atividades em cerca de 36 escolas primárias. Não havia ainda paróquia constituída.
A assistência era desenvolvida pelo pároco de Alhos Vedros, Pe. José Feliciano Rodrigues Pereira, que sentiu necessidade de apoiar os jovens da zona. Conhecedor da dinâmica salesiana e da sua vivência, solicitou a presença dos Oratórios Festivos. De acordo com as crónicas, a aceitação por parte dos Salesianos foi imediata.
O apoio iniciou-se no mês de outubro de 1963. Realizava-se aos domingos com a dinamização de três estudantes de Teologia e um sacerdote das Oficinas de S. José de Lisboa ou outros na ausência dos primeiros.
Cerca de 300 jovens participaram no primeiro dia de Oratório, 100 da parte da manhã e 200 no período da tarde. A primeira impressão foi a de rapazes “muito vivos e irrequietos (…) pareciam os pequenos travessos que D. Bosco viu no sonho dos nove anos”. (2)
A direção do Oratório Festivo pertenceu ao Pe. Armando Monteiro, auxiliado pelo Pe. Ramiro Pereira, Pe. Vilas-Boas, Pe. Serafim Gama e Pe. José Correia Rola.
A estrutura do Oratório encontrava-se organizada em três níveis: cartão branco, cartão azul, cartão verde e cartão cinzento. No momento inicial compunha-se de quatro níveis:
Cartão branco – faixa etária dos 6 aos 8 anos, perfazendo um total de 158 elementos;
Cartão azul – faixa etária dos 9 e 10 anos, perfazendo um total de 172 elementos;
Cartão verde – faixa etária dos 11 e 12 anos, perfazendo um total de 116 elementos;
Cartão cinzento – faixa etária dos 13 aos 14 anos, perfazendo um total de 49 elementos.
No dia 27 de outubro de 1963 realizou-se o primeiro encontro, masculino e feminino, do Oratório de S. José Operário, na localidade de Baixa da Banheira, documentado na fotografia elucidativa que acompanha este escrito.
A atividade inicial foi o futebol, seguindo-se a missa: “O problema mais difícil é fazê-los calar …”: “À entrada para a igreja deu-se um autêntico assalto aos bancos e às almofadas …”. (3)
No período da tarde, o futebol dominou os momentos iniciais, seguindo-se a projeção de um filme sobre a vida de Domingos Sávio. No final do encontro, os rebuçados e apresentações individuais de música e dança dominaram. Fizeram-se novas inscrições no Oratório e o Pe. Inspetor, Armando Monteiro, realizou três batizados.
No dia 1 de novembro, realizou-se novo encontro com o esquema habitual do futebol e Eucaristia. As comunidades salesianas de Lisboa e Estoril emprestaram jogos de sala para ocupação dos jovens da Baixa da Banheira. Sendo então uma sexta-feira, muitos participantes não foram à missa. Saliência para a presença de um grupo de raparigas, “bastantes irrequietas também elas”. (4) A projeção de um filme concluiu esse dia, em que se realizaram igualmente novas inscrições no Oratório.
No dia 3 de novembro, com esquema semelhante aos anteriores, realizou-se novo encontro, em que se notou alguma melhoria na postura dos jovens. O grupo feminino aumentou igualmente em número de aderentes.
Aos 10 dias do mês de novembro, a comunidade do Estoril deslocou-se sozinha ao Oratório com jogos e materiais lúdicos em grande quantidade. O ambiente já permitiu a realização de um encontro de catecismo com cerca de 250 rapazes e 100 raparigas. Os inscritos no Oratório receberam os respetivos cartões.
No dia 17 de novembro, surgiram perspetivas da existência de um campo de futebol nos terrenos que pertenciam à CUF e algumas professoras deram o seu contributo no acompanhamento dos jovens. O número de crianças não parou de crescer e em todos os encontros realizaram-se novas inscrições.
As professoras que iniciaram o seu apoio ao Oratório continuaram no dia 24 de novembro. Na Crónica salientou-se a divisão, na igreja, de 200 rapazes no lado esquerdo 150 meninas no lado direito. Neste encontro, os vencedores de vários jogos receberam prémios pelo seu desempenho.
Até ao final do ano, realizaram-se mais cinco encontros no Oratório. No dia 1 de dezembro, o horário habitual da Eucaristia coincidiu com a missa realizada pela Mocidade Portuguesa, o que causou algum transtorno.
A aceitação da presença dos Salesianos na localidade firmou-se ao longo dos diferentes domingos. Sentia-se um crescendo no apoio dado pela população, não só na frequência da missa como nas palavras de encorajamento. No dia 22 de dezembro, deu-se nota da realização de um jogo no campo entretanto cedido pela CUF e da inauguração de equipamento de futebol, num total de 24 camisolas. A utilização de campos para a prática de futebol levantou alguns problemas com as forças policiais ao longo das realizações do Oratório.
Na véspera de Natal, e no próprio dia, celebrou-se a Eucaristia. No domingo contíguo a esta celebração, dia 29 de dezembro, a realização de um jogo de futebol entre o Benfica e a CUF reduziu bastante o número de participantes no Oratório, dinamizado nesta data pela comunidade do Estoril.
No primeiro dia do ano de 1964, a vivência no Oratório centrou-se na entrega de prémios, essencialmente roupas e guloseimas.
As atividades oratorianas, após os últimos meses do ano de 1963, decorriam com entusiasmo, conquanto a estrutura fosse a mesma ao longo dos diferentes domingos. A 12 de janeiro, o Oratório contava com o número de 436 inscritos, embora alguns mais frequentadores que outros.
O ambiente que se vivia no país, à data deste escrito, remete-nos para o período da guerra colonial iniciada em 1961; na Crónica nomeia-se o Pe. Gama, capelão militar, que nesta data celebrou a Eucaristia no Oratório, partindo nos dias subsequentes para o território da Guiné. Foi substituído, na Baixa da Banheira, no dia 26 de janeiro, pelo Pe. José Rola, missionário em Timor.
No dia 2 de fevereiro, o encontro dominical, além dos Salesianos habituais, contou com a presença e o apoio de um antigo aluno, que marcou um momento importante nestes encontros. A par deste destaque, nomeia-se a presença, no dia 9 de fevereiro, de catequistas que apoiaram o grupo de raparigas, que, por este motivo, aumentou significativamente o número de participantes.
Dinamizado pela presença salesiana, o crescimento religioso sentido foi significativo, quer a nível das Primeira Comunhões quer na realização de Matrimónios. Os Cooperadores salesianos, no primeiro mês de 1964, na Baixa da Banheira, eram em número de dez. O número de participantes nas Eucaristias aumentou igualmente, sendo de cerca de 500 adultos e 200 rapazes e raparigas, na missa dominical.
A Crónica do Oratório foi verificada pelo Pe. Provincial, Armando Monteiro, em 18 de fevereiro de 1964, aquando da sua visita anual às diferentes presenças salesianas. Este documento mereceu o seguinte elogio: “Parabéns pela orientação dada à Crónica”. (5)
Da autoria da presença salesiana do Estoril e destinada aos participantes do Oratório Festivo de S. José Operário da Baixa da Banheira, foi criada uma pequena publicação denominada Alegria. A apresentação de Domingos Sávio, orientações gerais, programa das atividades do Oratório e algumas histórias humorísticas compunham este contacto escrito que se propunha ser individualizado e chegar junto de cada elemento do Oratório. De acordo com a Alegria, “Durante a semana preparou-se o jornalzinho (…) que foi enviado pelo correio aos rapazes do Oratório”. (6)
No dia 29 de março de 1964, deu-se início à elaboração do ficheiro referente ao Oratório, cujas fichas foram impressas em Izeda. Com esse preenchimento pretendia-se ter uma ideia mais clara da ambiência que existia em torno de cada rapaz.
A última Crónica do Oratório de S. José Operário da Baixa da Banheira data de 21 de junho de 1964. As expressões de agradecimento popular pelo trabalho desenvolvido foram transcritas neste documento. De acordo com os dados finais, durante este espaço de tempo inscreveram-se 530 rapazes e o número de meninas que assistiam à missa era de 60 por Domingo.
Permanece neste escrito o testemunho de um dos muitos Oratórios espalhados pelo mundo, concretamente o da Baixa da Banheira, com o apoio das comunidades salesianas de Lisboa e Estoril, o qual se tornou realidade nos anos de 1963 e 1964, fruto da vivência do sonho de D. Bosco.
(1) Anjos, Amador, Centenário da obra salesiana em Portugal – 1894-1994, Lisboa, 1995.
(2) Boletim Salesiano, ano XXI, n º 194, Fevereiro, 1964.
(3) Crónica da Casa, Baixa da Banheira – Oratório Festivo “S. José Operário”, 1963.
(4) Crónica da Casa, Baixa da Banheira – Oratório Festivo “S. José Operário”, 1963.
(5) Crónica da Casa, Baixa da Banheira – Oratório Festivo “S. José Operário”, 1963.
(6) Crónica da Casa, Baixa da Banheira – Oratório Festivo “S. José Operário”, 1963.