Linhas convergentes ________________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. 1935 – Oficinas de S. José – um ano de importantes visitas As primeiras vivências do ano de 1935 sentidas nas Oficinas de S. José de Lisboa surgem no número duplo do Boletim Salesiano de maio e junho. (1) Dando eco às indicações do jornal A Voz, referencia-se a visita do Dr. Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros, na companhia do Dr. Carneiro Pacheco, (2) visita esta realizada no dia 16 de março às Oficinas de S. José e à sua sucursal, o Asilo de Santo António do Estoril. Sobre a primeira personalidade diz-se que “S. Excia foi alvo de carinhosas demonstrações de gratidão e regozijo”. Nesta mesma edição, notifica-se a importância para a Congregação da chegada do Pe. Hermenegildo Carrá a Portugal, vindo do Brasil, (3) ficando responsável pela Obra Salesiana no espaço luso. Substituiu o Pe. Domingos Cerrato. Fugindo momentaneamente, ao contexto português, pela comprovada importância para a conjuntura geral da Obra salesiana, noticia-se na edição de julho-agosto a memória da visita realizada a 13 de abril de 1945 pela rainha Helena de Saboia (4) – título obtido por casamento, em 1896, com Victor Emanuel III – (5) ao Oratório de Valdoco, em Turim. A visita, além de destaque pela presença da rainha, foi enriquecida ainda pelo facto de tal acontecimento ser o primeiro encontro físico com a presença salesiana, em Turim, e por expressa vontade da augusta Senhora teve uma índole informal. Estiveram presentes milhares de crianças, cerca de 3000, coadjuvadas por numerosos salesianos e salesianas. Esteve presente a Presidente das Damas Protetoras das Obras Salesianas, a Marquesa Compans de Brichanteau. De acordo com o sentir da redação do Boletim Salesiano, “Esta visita vem aumentar a dívida dos Salesianos para com a gloriosa Casa Real de Saboia (…)”. (6) No dia 18 de abril de 1935, com notícia publicada, uma vez mais, no jornal A Voz de 19 de maio do mesmo ano e editada na edição dupla de julho e agosto do Boletim Salesiano, (7) narra-se a visita do Ministro da Itália, Sr. Comendador Luiz Tuozzi, às Oficinas de S. José, “Visitou ontem demoradamente as escolas profissionais e outras dependências das Oficinas de S. José (…)”. (8) A visita durou uma hora e foi acompanhada pelo Pe. Hermenegildo Carrá e pelo Pe. Ângelo Semplici. Os alunos apresentaram-se em formatura, como prova o documento fotográfico que encima este ensaio, e a banda da escola fez-se ouvir. O visitante observou os trabalhos expostos, tomando conhecimento do “(…) vasto programa de educação e ensino que em tantas nações tão optimos resultados vai produzindo”. (9) O Ministro foi saudado pelo jovem João Pioravera. No mês de maio de 1935, concretamente nos dias 5 e 26, realizaram-se duas importantes festas que recrutaram numerosas visitas às Oficinas de S. José. Na primeira, celebrou-se “A festividade do glorioso S. João Bosco (…)” (10) presidida como habitualmente pelo Pe. Hermenegildo Carrá. Alude-se à opulência da festa, comparando-a ao contexto português, nas celebrações realizadas aquando da canonização de D. Bosco, em 1934. Desconhecemos o programa, mas os ecos testemunham-no, “(…) executado à risca, com grande satisfação de quantos assistiram a esta festa”. (11) Na segunda data, destaca-se a junção das duas escolas salesianas, a de Lisboa e a do Estoril, no momento de celebração em honra de Maria Auxiliadora. Como a anterior, a preparação das festas foi executada pelo Pe. Inspetor. A festividade dividiu-se em dois momentos: a parte religiosa e a recreativa. Na primeira, sobressaiu a procissão realizada nos pátios da escola com a imagem de Maria Auxiliadora e a segunda constou de momentos cénicos, trechos musicais e ginástica rítmica. Documentos fotográficos da procissão e dos esquemas de ginástica ilustram estes momentos descritivos. De acordo com o relato, a festa, “(…) marcando época nos anais do Colégio de Lisboa, deixou em todos os que a ela assistiram e, especialmente nos amigos e benfeitores das Oficinas, uma grata impressão que perdurará indelével em sua memória”. (12) No dia 14 de julho, as paredes das Oficinas de S. José receberam mais uma cerimónia, desta vez o agraciamento de duas benfeitoras (Sras. D. Maria Luiza de Vilhena de Magalhães Coutinho e D. Beatriz Viveiros Pereira, da Ação Católica e Instituto Profissional Salesiano de Lisboa). Os pormenores transcritos para o Boletim Salesiano (13) foram redigidos, uma vez mais, pelo jornal A Voz. A atribuição – Cruz «Pro Ecclesia et Pontifice» – foi concedida pelo Papa Pio XI. Discursou e presidiu à entrega das medalhas o Pe. Ângelo Semplici, diretor das Oficinas de S. José, sendo a imposição efetuada pela Duquesa de Palmela e pelo Pe. José Maria Alves, que regeu também, nessa altura, o Orfeão das Oficinas de S. José. O Pe. Inspetor, Hermenegildo Carrá, enviou, por motivo de ausência, uma missiva de congratulação por esse momento. Como era habitual neste tipo de notícia, surge o elenco das figuras benemerentes que assistiam às ocasiões festivas da instituição, o qual se reveste de fecunda nascente para o estudo da beneficência neste período cronológico. Ainda como informação, no culminar deste dia, realçou-se a visita efetuada às obras do futuro pavilhão de marcenaria, inaugurado no ano seguinte, e que já analisámos em escrito anterior. Os documentos fotográficos que acompanham estes instantes, anteriormente referidos neste ensaio, revelam-se de extrema importância na leitura dos ambientes externos das Oficinas de S. José no que respeita aos pátios, evolução das obras de melhoria do edificado e breves elementos urbanísticos vizinhos das Oficinas de S. José de Lisboa. Como complemento a esta última ideia, atente-se na incongruência das fotografias que testemunham os eventos elencados, mostrando, por um lado, sólidas estremas, nos altos e robustos muros dos pátios confinantes com a rua Saraiva de Carvalho, e, por outro lado, fruto das circunstâncias camarárias, a extrema exposição, devido ao uso de um simples tapume, ao exterior das zonas limítrofes com a Travessa dos Prazeres e a rua Possidónio da Silva. Em documento existente no Arquivo Histórico – Pe. Amador Anjos – Casa D. Bosco – datado de 18 janeiro de 1935, lê-se, em carta endereçada ao Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa, a necessidade de resolução do problema de um novo realinhamento da Travessa do Prazeres. Elencam-se, nesse pedido de construção do restante muro em alvenaria, um conjunto de situações que prejudicavam o são desenvolvimento da instituição e, em simultâneo, o bom acolhimento que era necessário fazer aos mais de quatrocentos alunos internos que viviam nas Oficinas de S. José. Os relatos dão conta de visitas, estas desagradáveis, que se apropriavam de utensílios, animais de capoeira e propinavam deambulações indesejáveis. O Pe. Angelo Semplici assina esta carta “(…) a bem duma Obra de manifesta benemerência e utilidade social (…)”. (14) No dia 11 de dezembro, o jornal Diário de Lisboa traçou uma sinopse da presença dos Salesianos em Portugal com dados estatísticos interessantes e definidores do trabalho positivo realizado: “Para se fazer idéa da importância das Oficinas de S. José basta uma simples visita às suas instalações da Travessa dos Prazeres (…) os seus directores padres Hermenegildo Carrá e padre Angelo Semplici, grandes educadores que praticam a pedagogia com compreensão cristã e clara inteligência”. (15) __________________________________________________________________________ (1) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos , Ano XXXII, Número 3, Maio-Junho, 1935. (2) Foi um dos fundadores, em 1908, do Centro monárquico académico D. Manuel II. Ministro da Instrução Pública, cujo nome mudou para Ministro da Educação Nacional, criou a Lei n.º 1941, de 11 de abril de 1936 – Lei de Bases da Educação do Estado Novo. Criou, entre outras instituições, a Mocidade Portuguesa, a Academia Portuguesa de História e o Instituto Nacional de Educação Física. (3) Desde esta data até 1949 o Pe. Carrá esteve em Lisboa. No documento fotográfico, cúmplice deste escrito, o Pe. Hermenegildo Carrà e o Pe. Ângelo Semplici ladeiam, ao centro, o Ministro da Itália. (4) Nasceu em 1873 e faleceu em 1952. Teve papel de destaque na 1.ª Guerra Mundial no seu papel de Inspetora das Enfermeiras Voluntárias da Cruz Vermelha Italiana e no seu benemérito contributo aos mais desfavorecidos. Em 1937 o Papa Pio XI concedeu-lhe a Rosa de Ouro . Teve igualmente um papel influente na 2.ª Guerra Mundial. (5) Nasceu em 1869 e faleceu em 1947. Reinou de 1900 a 1946. Foi ainda Imperador da Etiópia e rei da Albânia. (6) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos , Ano XXXII, Número 4, Julho-Agosto, 1935. (7) Ibidem. (8) Ibid. (9) Ibid. (10) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos , Ano XXXII, Número 5, Setembro-Outubro, 1935. (11) Ibidem. (12) Ibid. (13) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos , Ano XXXII, Número 6, Novembro-Dezembro, 1935. (14) Semplici , Angelo , fonte manuscrita, Ao Sr. Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisboa , 1935. (15) Boletim Salesiano, Orgão dos Cooperadores Salesianos , Ano XXXIII, Número 2, Março-Abril, 1936.