O último terço do século XIX é um período essencial para compreender a consolidação de formas de organização escolar que, apesar de sucessivas tentativas de mudança, resistiram até aos dias de hoje. Há um conjunto de evoluções que, segundo David Tyack e Larry Cuban, produzem a gramática da escola: alunos agrupados em classes graduadas, com uma composição homogénea e um número de efectivos pouco variável; professores actuando a título individual, com perfil de generalistas (ensino primário) ou de especialistas (ensino secundário); espaços estruturados de acção escolar, induzindo uma pedagogia construída essencialmente no interior da sala de aula; horários escolares rigidamente estabelecidos, que impõem um controlo social do tempo escolar; saberes organizados em disciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e da pedagogia. É neste momento, de grande densidade histórica, que se fabrica uma concepção de trabalho escolar, que está impregnada de uma pedagogia nova e de práticas de ensino que integram princípios de avaliação, de progressão e de organização dos estudos.
No caso do ensino primário, as escolas centrais são a melhor ilustração deste processo. A ideia de dividir as aulas da instrução primária em “classes”, distribuindo os alunos “não pela idade ou pela altura, mas pelo seu estado de adiantamento”, constitui uma novidade. A regulamentação dos programas para cada classe configura um “ensino metódico e progressivo” e um modelo de acção do professor que estão na origem da “escola moderna”. Quem o diz é Pedro Eusébio Leite, quando recorda a acção de Simões Raposo na Casa Pia de Lisboa, na década de 1860. Esta instituição desempenha, juntamente com o município de Lisboa, um papel essencial no ensaio e experimentação da escola “central” ou “graduada”, que viria a ser adoptada pela legislação posterior a 1878.
No caso do ensino liceal, a reforma de 1894-1895 consagra a passagem de um sistema de disciplinas avulsas para um regime de classes. Os textos regulamentares sobre a prática do ensino fixavam, à partida, que nenhuma disciplina do plano de estudos era independente e que todas estavam ligadas “pelo princípio de uma intenção comum”. Como escreverá mais tarde o autor da reforma, Jaime Moniz, tratava-se de instituir uma “distribuição comum, consecutiva, paralela, por justaposição, gradual”, valorizando uma organização horizontal do currículo, baseada na ligação entre as disciplinas e na coordenação do trabalho dos professores. O modelo tinha como principal objectivo “reduzir à unidade, no espírito do aluno, a variedade forçosa das matérias de ensino”.
Estes dois apontamentos breves permitem compreender a “naturalização” de uma gramática que define as fronteiras da modernidade escolar. O modelo impõe-se como o único melhor sistema (The one best system), para citar de novo David Tyack. Não é apenas o melhor sistema, mas sim o único possível e, mesmo, imaginável. Reside aqui a sua força e a explicação para a sua permanência no tempo.
António Nóvoa (2005) Evidentemente. Porto: ASA