Frederico Pimenta Linhas convergentes ______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. No concreto desses dias, sobressai, nesta Revista das obras de Dom Bosco, a descrição dos dias vividos: “A espaçosa capella encheu-se de amigos e convidados para a Missa da meia-noute (…).” (6) Uma vez mais, nestas descrições, faz-se referência ao acompanhamento musical das cerimónias e à Primeira Comunhão, “Pão descido do céo”, de seis alunos das Oficinas de S. José. Dezembro de 1905 – Natal, sociologia e economia Continuando as deambulações pelos anos iniciais do século XX, no contexto da chegada dos elementos salesianos à cidade de Lisboa e ao ambiente social que então se vivia, deparamo-nos, no Boletim Salesiano de março de 1906, com uma elegante coluna jornalística abordando os assuntos elencados no título deste escrito. Memoramos que a data da revista se contextualiza na data da inauguração do edifício centenário que domina o pátio das atuais Oficinas de S. José. O Natal do ano anterior, sendo diretor o Padre Ambrósio Tirelli, fora duplamente vivido não só pela envolvência da época festiva como também pelas habituais agitações sociais e políticas de grande âmbito que se faziam sentir. (1) Em duas colunas da publicação coeva, na secção “Notícias de aquém e além mar”, o autor apresenta os temas sob o título “Lisboa – Officinas de José – Festa do Natal – inauguração d’uma serie de conferencias sobre sociologia e economia practicas.” (2) Sobre o Natal se conclui que “As creanças, os pequeninos e humildes sentem e experimentam uma satisfação toda particular na comemoração d’esta Festa, pois que no Menino Jesus, adoram e amam…”. (3) No capítulo da educação, apresenta-se o Natal como potenciador de elevados ápices: “…quando devidamente aproveitados pelo educador, um dos mais eficazes meios para a formação moral e religiosa dos corações infantis.” (4) Da leitura do artigo ressalta ainda a prerrogativa “Teve para nós maior brilho e encanto este anno, pois que era a primeira vez que a celebravamos no novo edificio.” (5) A construção, recordamos, seria inaugurada em 19 de março de 1906. No concreto desses dias, sobressai, nesta Revista das obras de Dom Bosco, a descrição dos dias vividos: “A espaçosa capella encheu-se de amigos e convidados para a Missa da meia-noute (…).” (6) Uma vez mais, nestas descrições, faz-se referência ao acompanhamento musical das cerimónias e à Primeira Comunhão, “Pão descido do céo”, de seis alunos das Oficinas de S. José. Por último, nesta primeira parte, inscreve-se o agradecimento a diferentes componentes da sociedade portuguesa que então apoiavam muitas concretizações e, em especial, a edificação do imóvel inaugurado na data já referenciada. Neste caso, surgem os nomes “S. M. a Rainha, S. Ex.cia a Sra. Viscondessa de Silva Carvalho e outras pessôas(…)”, (7) no que se refere aos presentes enviados e ao abono de alimentos para as festividades natalícias dos alunos. A importância da educação dos aprendizes dos ofícios que laboravam nas Oficinas de S. José, no conceito global de indivíduos preparados para a vida do trabalho e simultaneamente capazes de opções claras sobre a cidadania, foi, tal como hoje, preocupação dos responsáveis salesianos da altura. Neste sentido, entrando na segunda parte do titulado, enumera-se a apresentação de um ciclo de conferências sobre temas de importante contributo para as futuras gerações de operários mais esclarecidos e decisórios. “Outro facto que cumpre aqui lembrar foi a inauguração de um curso de conferencias ou melhor lições practicas e fáceis de economia e sociologia aos nossos alumnos artistas.”(8) Fortemente influenciadas pela encíclica Rerum Novarum, (9) do 256.º Papa, Leão XIII, (10) a Igreja e a sociedade sofreram profundas transformações e entendimentos que se espalharam por todos os continentes. Também grandes intelectuais portugueses, em especial políticos, jornalistas e escritores, aglutinaram-se a esta corrente católica e tiveram forte influência na conturbada e antagónica sociedade do final do século XIX e princípios do século XX. Estes encontros tiveram como primeiro orador o Dr. Domingos Pinto Coelho, (11) personalidade que, à semelhança de outros nomes preeminentes da nossa sociedade, tinha forte presença nos ambientes e vivências salesianas, sendo, sem sombras de dúvidas, a oriflama dos ideais de D. Bosco. Também ele interiorizou as ideias transformadoras do pensamento católico e da sua relação com o mundo do trabalho, à semelhança do que aconteceu com forte impacto noutros países. Foi ele permanente cuidador da causa de D. Bosco, um robusto militante católico que encarava esta resposta subjacente à ideia de D. Bosco e linear na encíclica Papal como fundamental para uma sociedade em transformação, como aquela em que se enquadram estes acontecimentos. Sobre a conferência desenvolvida enumeram-se como pontos principais a gratidão pela presença salesiana, o confronto com a sociedade de então e a eficácia urgente de ser bom profissional. Ou seja, “(…) mostrou-lhes quão honrosa e nobre é a profissão de uma arte, o que aliás é o fim principal d’esta Instituição.” (12) Duas colunas, referidas anteriormente, que na publicação coetânea transmitiram o vigoroso pensamento que as Oficinas de S. José de Lisboa encorparam desde o início. Estes esteios jornalísticos concluem com o apelo “Deus nos ajude e esclareça na árdua missão da educação e regeneração dos filhos do povo.!” (13) __________________________________________________________________________ (1) A sociedade portuguesa encontrava-se profundamente dividida, de forma geral, entre as correntes monárquicas e as correntes republicanas. Daqui resultaram tempos imensamente perturbados que transformaram o nosso país e a história da presença salesiana em Portugal. Sublinhamos, como culminar destes tempos, o regicídio, a implantação da república e a expulsão das ordens religiosas, entre outros. (2) Boletim Salesiano, Revista das obras de Dom Bosco, Anno V, Março de 1906, vol. II, N. 3. (3) Ibidem. (4) Ibid. (5) Ibid. (6) Ibid. (7) Ibid. (8) Ibid. (9) Carta encíclica “Rerum Novarum” do Sumo Pontíficie Papa Leão XIII a todos os nossos veneráveis irmãos, os Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos do Orbe católico, em Graça e Comunhão com a Sé Apostólica sobre a condição dos operários foi escrita em 15 de maio de 1891 e abordou a questão social da Igreja e do Estado à luz do Evangelho. (10) Leão XIII nasceu no ano de 1810 e faleceu no ano de 1903. O Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II, Agosto – 1903, N. 8. e o Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno II, Setembro – 1903, N. 9 dão testemunho do desaparecimento de Leão XIII, do seu pensamento elucidado e da forte ligação à Obra Salesiana e ao seu fundador, S. João Bosco. (11) Dr. Domingos Pinto Coelho nasceu e faleceu em Lisboa, respetivamente em 1855 e 1944. Advogado, escreveu em diversos jornais da época e teve papel ativo na defesa de inúmeras personalidades. Participou, também musicalmente, em momentos festivos das Oficinas de S. José. O seu conhecimento musical fê-lo crítico, em especial de óperas, do Real Teatro de S. Carlos. (12) Boletim Salesiano, Revista das obras de Dom Bosco, Anno V, Março de 1906, vol. II, N. 3. (13) Ibidem.