(…) O livro Coração é um livro sobre a escola e, portanto, não é um livro sobre o mérito. A escola, toda a escola, jamais foi fundada sobre o mérito. Se a olharmos de longe e superficialmente, vemos as notas, algumas reprovações e pensamos que a escola se assemelha às empresas: as notas, como os salários, o aproveitamento escolar como a progressão na carreira. Mas esta é a uma visão das escolas (e das empresas) demasiado distante e, por isso, errada. A ideologia meritocrática que está a procurar, com sucesso, ocupar também a escola, baseia-se no dogma de que os talentos são méritos e, portanto, quem tem mais talento deve ser mais premiado. Mas todos sabemos que este dogma é uma fraude ou, pelo menos, uma ilusão, para a sociedade e ainda mais para a escola. Porque os talentos são dons e os nossos desempenhos na vida dependem dos talentos-dons recebidos, muito pouco dos méritos (porque também a minha capacidade de empenho é dom). Qual é o mérito de ter nascido inteligente, rico, e até mesmo bom? Por essa razão, a escola se inspirou em valores não apenas diferentes dos da meritocracia, mas até opostos. A escola de todos e para todos foi pensada e desejada para reduzir as desigualdades sociais e naturais que a meritocracia, isto é, a ideologia do mérito, pelo contrário, aumenta. Todos os meninos e meninas vão e devem ir à escola, não apenas os merecedores. Todos devem ser colocados nas condições de poder florir e alcançar a sua excelência, não apenas os mais merecedores. Todos têm direito aos cuidados, estima, reconhecimento, admiração, dignidade mesmo que não tenham muitos méritos ou que tenham menos do que os outros. Além disso, a escola é um jardim maravilhoso com flores de talentos diferentes: «Precossi, dou-te a medalha. Ninguém é mais digno de a ostentar. Não a dou só à tua inteligência e ao teu querer; dou-a ao teu coração, dou-a à tua coragem, ao teu carácter valoroso e de bom filho. Não é verdade – acrescentou, dirigindo-se à turma – que ele a merece também por isso? Sim, sim, responderam todos a uma só voz». Precossi era filho de um ferreiro que bebia e que, de vez em quando, lhe batia. Mas também ele teve a sua medalha. Não era a medalha de Derossi, o primeiro da turma. Era a medalha de uma escola diferente. Depois de De Amicis chegou Maria Montessori que eliminou as notas e depois Don Lourenzo Milani e a escola de Barbiana. A democracia foi uma multiplicação das medalhas de Precossi, que hoje chamamos de inclusão escolar e professores de apoio. Porque aprendemos que na vida das crianças não existem apenas méritos: existe a vida. No dia em que alguém nos convencer de que as escolas devem estar assentes sobre a meritocracia, começaremos a dar medalhas todas iguais e sempre aos mesmos alunos, faremos turmas e escolas especiais para os não merecedores, as desigualdades explodirão e a democracia terá finalmente dado o lugar à meritocracia que é a principal tentativa de legitimação ética da desigualdade. L. Bruni Texto completo disponível em: https://www.edc-online.org/br/publicacoes/artigos-de/artigos-de-luigino-bruni/serie-de-artigos-avvenire/outras-series/raizes-de-futuro/18359-a-medalha-de-um-outro-merito.html?fbclid=IwAR3x9uYA3tERNm_2xforB1fDLxzBHzOZ8FHCaEOQwnXMLsrs45szBhd3zbM