| Além do evidente |

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Intervalo. O Henrique está sozinho, sentado no chão, aconchegado num cantinho ao fundo da escadaria de pedra. Traz vestido o vermelho do 2º ciclo. Ouve-se bem o som convidativo e persistente de um intervalo que não o consegue cativar. Está debruçado sobre o smartphone, como se nada mais existisse à sua volta. Na verdade, para além da imagem silenciosa de S. João Bosco que ali mora dia e noite e que não ousa perturbá-lo, apenas eu posso abraçar ou magoar o momento que ali se vive.

Embora já estivesse bastante perto, aproximei-me um pouco mais para denunciar claramente a minha presença. Nada. Verifiquei que o Henrique estava muito concentrado. Mais um passo. Viu os meus sapatos, olhou para cima e respondeu ao meu silêncio com o silêncio dele.

Perguntei-lhe porque estava ali sozinho, que era hora de brincar, se estava preocupado com alguma coisa, se o podia ajudar. Olhou para mim, esticou as pernas e disse que estava tudo bem, apenas queria ver um vídeo que o pai lhe tinha enviado. Insisti, sugerindo que o poderia ver mais tarde e aproveitar o intervalo para brincar.

– Não está a perceber. Este vídeo foi o meu pai que o enviou e ele tem imenso trabalho.

– Ah, agora percebi! Peço desculpa.

– Não faz mal, disse ele a sorrir.

Continuei o meu percurso. Observando as crianças e jovens que frequentavam o pátio naquele momento, percebi que o Henrique estava acompanhado, e que muitos dos seus colegas estavam sozinhos rodeados de gente.

José Morais | Diretor Pedagógico