Bom dia.
Deixem que me apresente. O meu nome é João Martins. Tenho, presentemente, 18 anos e frequentei esta Casa durante oito deles. Agora, estou na faculdade; e o suposto é lá ficar ainda um tempinho. Depois, sabe Deus para onde vou. Eu, posso garantir que não sei. Aliás, neste momento, só tenho três certezas: a escola, está feita; a universidade, está por fazer; e a vida… a vida é uma perfeita incógnita. Nada me é tão evidente quanto isso; nenhuma escuridão me surge tão clara como a do futuro.
Nietzsche disse: “Quando olhas para o abismo, ele também olha para ti.”. Lembro-me de ler isto e pensar, no meu íntimo: que grande verdade…! Contudo, fazia-me confusão imaginar alguém, sobre um precipício, debruçado, simplesmente a olhar. Como quando perdemos algum do nosso tempo a observar a senhora que espera na paragem do autocarro, e nos apercebemos de que não é o horizonte que ela observa, embora o fite incansavelmente, mas o seu pensamento. Para mim, não bastava olhar… E por isso reformulei a máxima de Nietzsche (ele decerto me perdoará): “Quando sorris para o abismo, ele também sorri para ti”. Achei muito mais otimista e muito menos assustador. E tenho-o repetido para comigo mesmo desde que comecei a pensar no que queria ser. Embora não tenha concluído grande coisa ainda, penso muito nisso.
Cada um de vós poderá identificar-se mais, ou menos, com o meu testemunho. Muitos, porventura, acharão peculiar que, depois de doze anos de escolaridade e dezoito de vivências, eu não consiga precisar para onde vou, ou como planeio lá chegar. Aqueles que, ao contrário de mim, têm já uma ideia, um projeto, ou uma meta, decerto estranharão. Todavia, o que me proponho a partilhar nestes escassos minutos em que me é permitido falar-vos, não são as razões do meu alheamento, mas antes as referências com que sei poder quebrá-lo.
Posto em mais belos termos, os astros que podem iluminar essa imensidão desconhecida que é o futuro, deixar entrever os seus contornos e quebrar-lhe a mística tenebrosa. Porque, no fundo, o escuro nada mais é que um vazio. É quem o olha que o preenche – de sonhos, de medos, de lembranças, de hesitações… de mais breu, ou de luz.
Lá bem no alto, brilha a Curiosidade – a vontade de conhecer, experimentar, ultrapassar. Uma vez ganho o vício do espanto, nada mais resta que correr, cheio de entusiasmo, a escutar, sentir, inspirar o admirável mundo eternamente novo que nos rodeia e acolhe.
Também no zénite, carbura o Amor. É uma estrela com muitos nomes: amizade, paixão, solidariedade, confiança, … Muitos títulos para uma chama de muitas cores; impossível é dizer de qual delas emana mais luz.
Logo ao lado, surge inconfundível a Alegria. Sorrir é o melhor remédio! Às vezes, é mesmo o único. Além disso, ser alegre não é ter sempre um sorriso nos lábios, ou até nos olhos – é saber sorrir com a alma, nunca desistir da esperança, da fé, do futuro. “Quando sorris para o abismo, ele também sorri para ti.” – cá estou eu a repeti-lo de novo.
Por perto, reluz o Inconformismo. Poucas coisas são mais úteis e sagradas que um espírito descontente, inconquistado, pronto a tentar, errar e repetir. Esta estrela já ilumina o mundo desde o tempo dos dinossauros, com quem podemos aprender a importância de deixar pegada.
Não há como não ver, ardendo majestoso e isolado, o Trabalho. A dedicação e a persistência são os combustíveis que consome para manter a sua luminosidade. É a única estrela cuja vida se mede em função de nós, humanos: extinguir-se-á no dia em que deixarmos de a alimentar.
Quase imersa no leito noturno, marca posição a Sorte, braseiro temperamental, incerto, omnipresente, mesmo quando encoberto. Não vale a pena tentar medir o seu brilho, averiguar o seu tom e tamanho. Não obedece às leis universais. Varia. Traz emoção à partida…
Por fim, o Descanso. Sim, não me baralhei – o Descanso. Demasiadas vezes esquecido, mas não menos importante do que qualquer outro destes astros. É no ócio que nos podemos dedicar a imaginar, a sonhar, a refletir no que dizemos, fazemos, queremos e seremos. É quando não se está a fazer nada além de estar-se, que as ideias podem fluir sem obstruções. Se me pedissem para partilhar as premissas da minha parca sabedoria, a primeira seria, decerto: pára, fecha os olhos, e respira, de vez em quando; verás que não te faltará tanto o ar.
Estas são as estrelas que doiram a noite desconhecida. E é nessa constelação eterna e vigilante que leio as direções da minha viagem pelos ignotos oceanos do porvir. Recebendo calmamente cada onda na proa, sem que a veja chegar. Despedindo-me de cada vaga que deixo para trás; guardando, na mente e no coração, o seu ondular, o seu perfume erguido pelo vento. Sem cessar, há que estabelecer o rumo que me conduzirá à melhor paragem, não à mais próxima, evitando a mais hostil, crendo na chegada à correta.
E quando brotaram estas estrelas no meu universo? Quem as dispôs na noite e me ensinou a compreendê-las? Há quanto tempo me guiam? Quem sou eu, que as sigo?
Chamo-me João Martins, tenho 18 anos e frequentei esta Casa durante oito deles. Obrigado.
Bom dia.
João Martins | Antigo aluno