| As lições de vida de António Lobo Antunes |

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No contexto do evento Escritores no Palácio de Belém, onde conversou com os alunos de Literatura Portuguesa dos Salesianos de Lisboa.

António Lobo Antunes começou por abordar o tema da morte e como, em pequeno, para si, era algo inconcebível. Depois, apercebeu-se de que morrer significava, essencialmente, ir-se embora. Mas para onde? Ainda hoje não era capaz de responder a essa pergunta. A essa e a várias, aliás. Contou como, ao longo da sua vida, nunca fora capaz de satisfazer todas as suas curiosidades, pois sempre que aprendia a resposta a alguma pergunta, surgia outra de imediato. Ou, então, a pergunta mudava. Assim, caminhava de mistério em mistério, pois “só o mistério nos faz viver”, mas sem qualquer garantia de que encontrasse soluções para os mesmos. O importante era nunca deixar de se espantar, porque o mundo estava repleto de coisas inesperadas que nos esperavam a cada esquina, a qualquer momento, a qualquer dia. E esse era o antídoto para a velhice: só era velho quem deixava de se espantar. Até lá, ninguém o era verdadeiramente. Seguidamente, falou num tema que não é comum, a guerra. Afirmou que, na guerra, não existe o lado bom e o mau, são todos maus. Admite que “[foi] mau na guerra, [foi] violento”, porque estava zangado com o mundo e, sobretudo, consigo mesmo. A guerra tinha a particularidade de transformar as pessoas dessa maneira.

De seguida, debruçou-se sobre a escrita, que descreveu como um “ofício de paciência”. Para si, a experiência começou em pequeno, quando escreveu o seu primeiro romance, que tinha apenas uma página. Contudo, a escrita é mais um mistério, e um livro é uma coisa muito “estranha”. De facto, é como se tivesse vida própria, porque, quando uma pessoa o escreve, não está a escrever segundo a sua vontade, mas sim o que o livro quer que seja escrito. Novamente, torna-se numa fonte de perguntas. “Porque é que escrevi esta palavra e não outra?” – questiona-se o autor. Mas o que é realmente escrever? Escrever é “conversar com vozes”. No caso de António Lobo Antunes, que “vê” as vozes, escrever é quando o seu avô paterno, que recorda com saudades, o visita, quando conversa com ele. Depois, escreve-se um título e publica-se um livro, segundo o próprio. Mas, para se escrever “à séria”, não se pode pedir conselhos a ninguém, porque a vida de cada um de nós é única, e nunca ninguém viveu nem viverá as coisas da mesma forma que nós. Por isso, a escrita de cada um de nós também será única. O importante é reescrever, emendar, emendar e emendar. É uma questão de trabalho. Tem de se entregar totalmente à tarefa, até que o livro se torne no nosso “sangue, olhar e gesto”. No entanto, muitas vezes, as palavras tentam resistir-nos, não nos deixando passar para a escrita aquilo que sentimos realmente. E isso torna-se frustrante. Mas o autor afirma que é possível tirar prazer da frustração. Afinal de contas, a vida não passa da forma como lutamos contra a frustração.
Apesar disso, o convidado põe em causa a noção mais básica, que é a própria existência de vida. Ilustrou quão difícil é separar aquilo que é ficção daquilo que é a realidade. “Isto que estou a viver é verdade?” – pergunta-se. Será que aquilo que vivemos existe mesmo ou não passa de uma construção da nossa cabeça? Somos mais reais quando estamos acordados ou quando sonhamos? Será que a verdade não passa de uma mentira inteligente? Todas estas são exemplos de questões deixadas em aberto por António Lobo Antunes durante a sua magnífica intervenção e, em cada um de nós, foram capazes de criar, no mínimo, um pequeno assombro, por estarem a ser questionadas as ideias que mais temos como garantidas. Acabou com um pedido: que rezemos pela sua “alma pecadora” e que não nos esqueçamos dele.

António Lobo Antunes, e dirijo-me a si, pode ter a certeza absoluta de que, pelo menos da minha parte, nunca será esquecido. Afirmou que um livro, para ser bom, tem de ser capaz de pôr em causa o leitor e o próprio autor. A partir do momento em que, com apenas uma hora de conversa, que nem estava ensaiada, tornou jovens de 16 anos em filósofos natos que não ficam sequer com a certeza de que, se pensam, existem, então o seu estatuto de génio é mais uma vez demonstrado, comprovado e inegável. Com ou sem Nobel. Um grande, grande obrigada, da sua mais recente admiradora, por aquilo que faz na literatura portuguesa e mundial. Rezarei por si, e não será esquecido. Palavra de honra.

Catarina Moreira d’Orey | 11H1