Boa sorte, D. Maria Madalena. Se não a tiver, pode bem ter de chamar cento e trinta e cinco nomes até que o seu filho apareça para jantar. Não se mace… Talvez ele venha porque tem fome. Nesse caso, tanto pode ter o Ricardo, o Alberto, o Bernardo, o Álvaro, o Vicente, o Alexander, o Charles, ou qualquer outro à sua frente, a devorar a sopa. O melhor mesmo será nem contar com ele para a refeição. Sabe como ele se alimenta das suas letras e dos seus versos, como ele se sacia nas fontes da poesia e do sonho…
Que situação insólita… O mais certo é nunca se ter passado episódio semelhante no interior do apartamento que Fernando Pessoa habitou com a mãe e as irmãs durante quinze anos. Onde fica esse apartamento? Aqui tão perto! Numa perpendicular à Ferreira Borges. Não há desculpa para não conhecer! Ainda por cima tratando-se da residência mais duradoura do Poeta português que em tantos cantos do mundo simboliza a nossa literatura, ou mesmo a nossa língua.
No entanto, o maior mérito da Casa Fernando Pessoa não é ter albergado um grande escritor. Essa honra é comummente recompensada com uma plaquinha na fachada ou um azulejo com uma citação bonita, anunciando: “Aqui viveu o ilustre…”.
A essência da excecionalidade da Casa é ter o génio confiado à segurança destas finas paredes a sua arca do tesouro, recheada de preciosidades incalculáveis. Este vasto baú, entretanto movido para análise, encerrava toda uma obra, uma miríade de vidas. É do conhecimento geral que, para onde ia Pessoa, seguia-o uma multidão. Não ia só o Fernando tomar café à Brasileira no Chiado. Acompanhava-o sempre um dos seus amigos – ou o Álvaro, sempre alerta, ou o Ricardo, plácido e inerte. Noutros dias e para outras andanças, o Fernando arranjava sempre boa companhia.
E, por isso, quando se mudou para Campo de Ourique, o Fernando arranjou espaço para a família e para os companheiros. Maravilhosamente, todos couberam dentro do pequeno segundo andar direito. Aqueles últimos tinham poucas necessidades espaciais, não necessitando de mais que o comprimento e largura de um tampo de secretária. E ainda bem, pois, apesar de mais de uma centena, nenhum se conseguia separar do Fernando.
Nunca uma Casa foi de tanta gente, muito menos de tanta gente ao mesmo tempo. Nunca uma Casa esteve tão bem recheada. Esta que foi uma Casa de Pessoas, cheia delas, das suas vidas, dos seus pensamentos, das suas sensações. Esta que foi uma Casa de sonho e criação. Esta Casa que é o espelho perfeito do seu mais ilustre inquilino. Que já não é Casa, é Pessoa, porque cabem em si todas as pessoas do mundo.
João Martins | 12.º H1