Aprender implica a vontade do aprendente. Esta vontade de aprender, segundo Bruner (1999,158) “é um motivo intrínseco que tem origem e recompensa no seu próprio exercício” e que só se torna problemática “em circunstâncias especializadas como as da escola, em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados e o caminho é invariável”. A falha da escola reside, segundo este autor, “no recrutamento das energias naturais que suscitam a aprendizagem espontânea”. É a esta dificuldade que os professores se referem quando lamentam que os alunos estejam com muita frequência “distraídos”, ou seja, com o foco da curiosidade e atenção desviado daquilo que se pretende ensinar.
Aprender é um trabalho que cada sujeito realiza sobre si próprio. Organizar e colocar em stock informação. Organizar e dar sentido a experiências. Construir e organizar um pensamento sobre as coisas. Na escola o “oficio” dos alunos é com frequência penoso, desinteressante e desagradável. Aqui reside a chave principal para compreender a existência de um certo número de alunos (cada vez maior, a medida que se alonga a escolaridade obrigatória) que, segundo os professores e outros especialistas em educação designa de “necessidades educativas especiais”, ou seja, de abordagens paliativas para fazer face ao insucesso escolar. No seu trabalho escolar, os alunos gastam energias para cumprir as normas, “mas foram desapropriados e se desapropriam a si mesmos do sentido do que fazem”. Quando a atividade escolar perde a sua especificidade, a de corresponder a um trabalho intelectual pleno “apenas sobra um trabalho alienado, quer se trate do aluno ou do professor. E esse trabalho, temos de admiti-lo, é chato, muito aborrecido” (Charlot, 2018,491).
Aprender pode ser uma atividade solitária, mas não pode ser isolada do social. Ninguém aprende num “vazio” social, nem sem fazer apelo aos contributos de outrem. Nesta medida, aprender supõe a mobilização dos “três mestres” de que falava Rousseau: o Eu, os Outros e o Mundo. Aprender contempla, portanto, uma dimensão auto, uma dimensão hétero e uma dimensão ecológica e territorial.
Aprender não significa “aplicar” aquilo que se aprendeu, mas sim ser capaz de fazer face a situações complexas e marcadas pela imprevisibilidade. Na educação e na ação os efeitos não esperados são, às vezes, os mais importantes.
Aprender significa abandonar o conforto das certezas e aventurar-se no incerto. A aprendizagem, enquanto processo de descobrir o mundo, consubstancia-se num sistema de representações que funciona, ao mesmo tempo, para fazer uma leitura confirmatória do real, ou como ponto de referência para construir novas visões do mundo. Neste segundo sentido, é obrigatória a passagem por um período de confusão inicial que implica sempre “desaprender” alguma coisa, através de uma “árdua reorganização” da experiência. Como afirmou Carl Rogers (2009, 49): “embora deteste rever as minhas opiniões, abandonar a minha maneira de compreender ou de conceptualizar, acabei, no entanto, por reconhecer numa grande medida e a um nível mais profundo que essa ‘árdua reorganização’ é o que se chama aprender”.
O árduo trabalho de aprender corresponde a um processo de pesquisa. Significa que a produção de saber se faz a partir de um conhecimento não entendido como simplesmente cumulativo. A partir dos órgãos sensoriais cada ser humano acede a e mobiliza informação que confronta e integra nas suas experiências vividas, e essa a base para a construção de saberes. Os saberes são por definição sempre provisórios e suscetíveis de reformulações a partir de novas hipóteses e novas formas de confronto com a realidade empírica, com base no processo de experiencia/erro.
Aprender significa, também, saber comunicar saberes. “Só se sabe o que se sabe dizer” respondia Mário Dionísio quando algum de nós afirmava: “sei, mas não sei dizer”. A comunicação de saberes pode exprimir-se por diferentes meios, mas a forma mais elevada e complexa é a utilização da comunicação verbal (oral e escrita). A linguagem é uma ferramenta simbólica que permite conhecer, pensar e intervir no mundo. Aprender a falar e depois a escrever são marcos no processo de aprendizagem de cada se humano, por isso, afirma Bruner (1999, 138): “Devia haver um aniversário especial para comemorar a entrada da criança na raça humana, cuja data e o momento em que pela primeira vez utiliza a gramática combinatória”.
No aprender, como na arte, não pode haver dissociação entre forma e conteúdo. Esta é uma ideia forte na teoria da produção estética de Mário Dionísio. Nesta maneira de ver, se pensarmos no modo como são transmitidos os conteúdos escolares, podemos confirmar que o dispositivo organizacional da escola constitui ele mesmo um “conteúdo” pela representação que induz acerca dos processos de aprendizagem (um saber molecular, revelado, compartimentado por áreas do saber, segmentado por unidades de tempo que se repetem, no quadro da relação entre um mestre e um grupo homogéneo de estudantes). Este processo de aprendizagem através do método de ensino simultâneo, baseado na repetição de informações, corresponde essencialmente a um dispositivo para ensinar, ou melhor para facilitar o ensino ao mestre detentor do saber.
Aprender é uma atividade da qual participam mestres e discípulos, no quadro de uma relação no interior de comunidades de aprendizagem em que as dimensões de aprender e ensinar são reversíveis. Elas sobrepõem-se em termos de dispositivo organizacional, mas também ao nível de cada sujeito. Na escola quer alunos, quer professores aprendem e ensinam. É também isto que permite encarar a ação dos professores como uma ação criadora.
(…) “o que faz falta é sobretudo a audácia e a frescura de hipóteses que não tomem como
verdadeiro o que apenas se tornou habitual. Resta-me esperar que, na busca de uma teoria da educação, tenhamos todos a coragem de reconhecer aquilo que não compreendemos e de nos permitirmos ter um olhar novo e inocente”
Rui Canário
Fonte: http://afirse.ie.ul.pt/coloquios/xxv-coloquio-2018/atas-2018/