Pela primeira vez, comemoramos o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A UNESCO consagrou o dia 5 de maio como data celebrativa desta língua em que sonhamos e falamos em quatro cantos do globo, em nove países. Seja com samba no pé, calor na voz, pó na estrada, numa ilha de sabor a sal, num retângulo recortado, em terra do sol nascente, com sabor a cacau, esta língua abraça todos os que sentem como mais ninguém a palavra “saudade”.
A expressão máxima da riqueza e beleza de uma língua acontece na Literatura e tantos são os nomes que têm dado e continuam a oferecer-nos obras de arte – Sophia de Mello Breyner, Mia Couto, Pepetela, Jorge Amado… Assim, gostaríamos de partilhar convosco algumas palavras de um dos nomes maiores da nossa literatura portuguesa. Pedimos que leiam atentamente o excerto da obra A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queirós que se segue.
À porta da cozinha, sacudindo um sobrescrito já amarrotado, Gonçalo ralhava com a Rosa cozinheira:
— Oh Rosa! pois tanto lhe recomendei que não escrevesse à mana Graça?… Que teimosa! Então não arranjávamos a pequena, sem essas lamúrias para Oliveira? Graças a Deus, a Torre é larga bastante para mais uma criancinha!
É que morrera a Crispola – a desgraçada viúva, vizinha da Torre, que com um rancho miúdo de dois pequenos, três raparigas, definhava no catre desde a Páscoa. E agora Gonçalo, que mantivera o casebre em fartura, andava acomodando as pobres crianças – já por cuidado dele muito asseadamente vestidas de luto. A rapariga mais velha (também Crispola), sempre encafuada na cozinha da Torre, passava regularmente a “ajudante da Rosa”, com soldada. Um dos rapazes, de doze anos, espigado e esperto, também Gonçalo o empregava na Torre como andarilho, para os recados, com fardeta de botões amarelos. O outro, mole e ranhoso, mas com o jeito e o amor de carpinteirar, já Gonçalo, sob o patrocínio da tia Louredo, o colocara em Lisboa, na Oficina de S. José.
Se estiveram atentos, estarão surpresos, pois perceberam que a nossa escola é aqui referida. O sonho de São João Bosco que também tomara forma em Oficina de S. José na cidade de Lisboa como carpintaria não é indiferente a Eça de Queirós. Aqueles que precisavam de um porto de abrigo, de aprender uma profissão, eram acolhidos com um sorriso naquele pátio.
Como não podemos hoje espalhar pela escola, no pátio, nos corredores, na cantina, no bar, no ginásio, em todos os cantos, palavras bonitas escritas em português (em diferentes sotaques), pedimos que em cada sala de cada casa haja hoje uns minutinhos para celebrar com os que estão por perto esta língua que acolhemos e nos acolhe também. Se não tiverem outra ideia, partilhem a nossa.
Para terminar, deixamos um último pedido: estimem-na. A língua portuguesa é um bem precioso, é vossa, é nossa, é tão antiga e tão viva que merece ser tratada com respeito e profunda admiração.
Ana David | Professora de Português