Teresa Escária “O Som da Montanha é uma obra introspetiva e contemplativa, que pode ser apreciada tanto pela beleza da escrita e o destaque que esta dá à natureza, como pelo seu teor filosófico, ao refletir sobre o envelhecimento e a passagem do tempo. Deste modo, este romance rico e complexo de Kawabata envolve o leitor e leva-o numa viagem detalhada e meticulosa pela vida humana e aquilo que a define.” O Som da Montanha, Yasunari Kawabata O som da montanha é um romance que foi publicado em 1954 e escrito por Yasunari Kawabata, autor galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1968. Situado numa pequena cidade montanhosa no Japão, o livro conta a história de Ogata Shingo, um homem idoso de negócios, atormentado por pequenos lapsos de memória. Ao longo da narrativa, a personagem reflete sobre a sua vida e os diferentes conflitos familiares que nela existem, nomeadamente, uma esposa difícil, um filho mulherengo, uma filha divorciada e uma nora que lhe inspira compaixão e desejos. Neste sentido, apesar de não se tratar de uma obra convencional, com princípio, meio e fim, o autor fecha o seu retrato de família, de forma sublime, com uma cena doméstica vulgar, na qual Shingo chama por Kikuko, a nora, que não ouve, visto que estava a lavar a loiça. Na verdade, um aspeto impactante deste livro é o seu caráter introspetivo. De facto, Kawabata explora temas desde o amor, a família e a solidão, até ao adultério, o suicídio e o aborto, acabando por escrever um romance que é uma meditação, poderosa e delicada, sobre a inelutável passagem do tempo, que leva o leitor a refletir, inevitavelmente, sobre as escolhas que faz ao longo da vida. Com efeito, no decurso da história, são recorrentes as referências às agruras da velhice e, consequentemente, à inevitabilidade da morte, como se pode ver no momento em que Shingo se esquece, de um dia para o outro, de como se faz o nó da gravata, apesar de o ter feito todos os dias, durante trinta anos, ou, ainda, nos diferentes funerais de conhecidos da personagem. Realmente, o próprio título da obra remete para a efemeridade da vida humana, na medida em que Shingo associa o rumor distante que lhe chega da montanha vizinha aos sons da morte. De seguida, não menos marcante é a dimensão simbólica da obra, mais especificamente, no que toca à natureza, que faz com que a escrita de Kawabata se aproxime da poesia pela sua beleza. Efetivamente, em todos os capítulos, o autor evoca elementos da natureza e, com uma destreza notável, faz a ponte para as situações, problemas, sentimentos ou dilemas morais que o protagonista enfrenta nesse momento. Para exemplificar, em certo momento, Shingo propõe cortar as plantas que cresceram à volta da cerejeira do seu quintal, para que esta ganhe liberdade e se desenvolva. Certamente, este episódio antecipa a decisão de Shingo propor à sua nora que vivesse com o marido noutra casa, fora do alcance das “ervas daninhas” que atrapalhavam o seu casamento. Assim, Kikuko seria esta jovem cerejeira, envolta por arbustos e com o seu crescimento prejudicado. Em suma, O Som da Montanha é uma obra introspetiva e contemplativa, que pode ser apreciada tanto pela beleza da escrita e o destaque que esta dá à natureza, como pelo seu teor filosófico, ao refletir sobre o envelhecimento e a passagem do tempo. Deste modo, este romance rico e complexo de Kawabata envolve o leitor e leva-o numa viagem detalhada e meticulosa pela vida humana e aquilo que a define. Teresa Escária | 12ºT4