| Dos fios que tecem a escola |

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| Dos fios que tecem a escola |Tenho consciência de que são diversos e poderosos os fios que tecem a malha de mágoas dos alunos que frequentam a escola atual: destaco o défice de sentido de muito do trabalho escolar; a forte seletividade; o acesso ao ensino superior que sob a capa meritocrática de equidade, é forte gerador de angústias e de injustiças; a velha e insensata gramática escolar ancorada na fragmentação dos saberes, dos tempos e dos espaços, transformando pessoas em matéria prima de uma cadeia de montagem.

Sendo a escola um lugar de muitas zonas (in)visíveis, um icebergue, um palco e numerosos bastidores (Guerra: 2002), nela residem as amarras e a libertação, o desafio e o medo, a aventura e o castigo, o evidente e o desconhecido, o esforço e a recompensa. Poderemos ainda acrescentar alguma solidão existencial, não obstante o paradoxo das atuais redes, que ligam, mas não aproximam.  

Mas porque a escola é igualmente um cais de abrigo, um mundo de pequenos e grandes gestos de humanidade, de atenção, de cuidado e de escuta, convoco uma vez mais Almada Negreiros para me ajudar a dizer o essencial, aquilo que o coração sente:

Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! 

As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor! 

de Almada Negreiros
in “O Regresso ou o Homem Sentado – III parte”

José Morais | Diretor Pedagógico