| Ecos do FOLIO 2018 |

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Três da tarde. Luísa esperava pacientemente pelo seu neto André, que tinha os seus comprimidos. Os ponteiros do relógio avançavam e a calma de Luísa ia desvanecendo. Não entendia como é que o seu neto, outrora uma criança atenta e preocupada, nem tinha tempo de lhe entregar os medicamentos.

Os seus oitenta e quatro anos trouxeram-lhe muita sabedoria, experiência e perspicácia, mas não conseguiam responder a isto. O tempo passava. Passava por ela, como se podia ver no seu rosto desgastado, marcado pelas desavenças da vida. Anos. Muitos. De esquecimento em esquecimento, Luísa via o mundo com outros olhos. Para além das cataratas, estavam repletos de memórias, de mágoa, de “porquês?” e de “ses…”, mas cheios de vida.

Quatro da tarde. Ansiedade. Nervosismo. Dor. Uma tristeza, misturada com alguma resignação, talvez por saber que, aos oitenta e quatro anos, já é comum ser esquecida. Ser velho é assim. É perder, perder, ir perdendo até à perda final. Mas essa, essa dói a quem fica. Muito mais do que a dor de Luísa, que tarda em receber a medicação. “Onde estará André?” é o que vai na sua cabeça.

Passam as quatro e as cinco da tarde, com Luísa sentada no sofá com as pernas juntinhas, bem vestida, coberta por uma manta bege, de lã, que tricotara durante dois anos, enquanto aguardava por uma carta, um telefonema, uma recordação.

Seis da tarde. A campainha toca. É a sua filha. Luísa desce e entra no carro. Dez minutos depois, a sua filha estaciona e leva a mãe a uma igreja majestosa, mas com um ar inóspito. O padre celebra a missa, do princípio ao fim, mas só uma frase ecoava na cabeça de Luísa: “Hoje, celebramos a morte do André.”
 Ansiedade. Nervosismo. Dor.

Afonso Mourão-Ferreira | 11H1


NOTAS DAS PROFESSORAS:

1. Este texto foi produzido pelo Afonso, no dia da visita de estudo ao FOLIO 2018, num momento de escrita criativa, proporcionado antes da atividade dinamizada pelo contador de histórias brasileiro Fábio Supérbi.

2. No passado dia 4 de outubro, as turmas de Humanidades dos Salesianos de Lisboa fizeram uma pequena viagem até Óbidos, com o objetivo de participar no FOLIO (Festival Literário Internacional de Óbidos), decorrido entre os dias 27 de setembro e 7 de outubro. Tendo em conta o contexto do FOLIO, integraram a atividade as disciplinas de História A, Literatura Portuguesa, Inglês e Educação Moral e Religiosa Católica, uma vez que em todas elas se verifica a importância da transmissão do saber através da oralidade e da tradição oral.

3. Nesse dia, a manhã iniciou na Casa da Tinta da China, onde os alunos foram desafiados a pensar na razão pela qual estavam todas estas disciplinas presentes, tendo em conta o lema do festival deste ano “O que é preciso é criar desassossego”. Foram depois convidados a visitar a exposição «Retratos de Escritores», onde se encontravam fotografias de autores distintos.

4. Seguiu-se a visita à IV Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo (PIM), na Galeria Ogiva, na qual os alunos puderam “habitar” os espaços das histórias e “brincar” com a luz e a sombra na obra de Fernanda Fragateiro.

5. Durante o período de almoço, foi dada a todos a oportunidade de visitar os espaços dentro das muralhas de Óbidos, (re)descobrindo não só os lugares históricos, mas também literários.

6. Da parte da tarde, os alunos visitaram uma mostra de desenho de figurinos, desenho de cenário e tapeçarias de cena, bem como marionetas, trabalhos produzidos por Abílio de Mattos e Silva, patente no Museu Abílio, tendo em conta que se comemoram os 500 anos da primeira representação da obra de Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno. 

7. De seguida, numa igreja atualmente dessacralizada, hoje a Livraria Santiago, ficámos deliciados com o contador de histórias brasileiro Fábio Supérbi, que nos apresentou alguns Contos de Minas Gerais. Histórias que escutou da sua avó, que falavam sobre viagens, lugares, pessoas, animais e criaturas mágicas encantaram todos os presentes, sendo aquele um momento saboreado entre o conto e o canto.

 8. Concluímos a nossa visita a Óbidos com a passagem pelo «Laboratório Tipográfico Experimental», onde observamos alguns trabalhos impressos que a criatividade ajudou a gerar.

9. Sugerimos a releitura do texto do Afonso.