Frederico Pimenta Linhas convergentes ________________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Caló Na vida, teia imensa que perpassa o desenvolvimento de cada pessoa, entrecruzam-se vivências profundas que transformam ou reabrem caminhos anteriormente trilhados, por vezes com aspereza. A riqueza humana que cresceu nas protetoras e cúmplices paredes das Oficinas de S. José remeteu para o futuro tesouros que transpuseram décadas de história e de ênfase humana. Exatamente como na atualidade, incertezas que se transformam em brilhante culminar profissional e pessoal dos alunos das Oficinas de S. José, na urbe lisboeta. Em Espanha, na primeira metade do século vinte, terminava a Guerra Civil que abarcou o período de 1936 até 1939. (1) Terminava a contenda, no início deste último ano, e a 29 de maio, exatamente há 84 anos, nascia Fernando Caló, em Setúbal. (2) (neste artigo utilizamos uma foto da época da infância e propositadamente próximo desse período, em contraste com outras da juventude, mais conhecidas e frequentemente divulgadas). Esta figura agregadora, protagonista de registos variados ao longo dos anos, encontrará, na circunstância deste escrito, o espaço para a memória, ou, porventura, dará a conhecer, entusiasmando para a descoberta desta personalidade. Para este particular chamaremos a atenção ao longo destas linhas. A normal e salutar presença da mãe não se fez sentir, desde os primeiros meses de vida. Tal se devia à urgente atividade profissional que a obrigava a permanecer em Lisboa, servindo numa casa abastada. Fernando foi para casa de uma tia e encontrou-se, pela primeira vez, com o ambiente da zona do Estoril, “Estoril è per Portogallo ciò che è per la Spagna San Sebastiano, per la Francia Biarritz, per l’Italia San Remo”. (3) Este saltitar que criou instabilidade no espírito do jovem Caló concebia igualmente a necessidade de demonstrar afetos profundos com os familiares, a mãe e o pai, este último muito pouco presente na sua vida e com responsabilidade junto de outra família então constituída, “Depois perdeu-o de vista, mas aos doze anos, por causa do abono de família, conheceram-se novamente, e começou um período de mais intimidade entre ambos”. (4) Destes contactos existem menções a diversas cartas enviadas pelo jovem Fernando ao progenitor, dando notícia do seu andamento na vida escolar, e um ou outro episódio robustecedor da recíproca amizade. São importantes para o estudo da sua intimidade e relacionamento com os demais e com o divino as cartas escritas por Fernando Caló, além das mais familiares e outras contemporâneas. Este estudo abarca ainda os escritos que grafou com pensamentos dedicados a Nossa Senhora e, neles, o percurso que traçou para a sua vida. O triângulo Lisboa, Setúbal e Estoril viu crescer o infante, fisicamente e no revigorar do seu interior. Trata-se do mesmo ambiente difícil que encontraram os primeiros salesianos que aceitaram, em 1932, a abertura do Asilo de Santo António do Estoril. Vieram, assim, os Salesianos encontrar Fernando Caló e as enormes dificuldades que este sentiu nos primeiros anos de vida. Este crescimento contou, como se faz referência numerosas vezes, com o cuidado não só da orientação subjacente ao pensamento de D. Bosco, mas também da benemerência existente que apoiou ternamente estas realizações humanas. A vida de Fernando Caló desponta abordagens por díspares autores salesianos e trabalhos escritos, através de ensaios ou biografias romanceadas escritas por antigos alunos e, mais recentemente, nas redes sociais. (5) Impõe-se, neste particular, não tanto o inédito da personagem, mas esta necessidade de renovar e dinamizar este percurso de vida para despertar a curiosidade pelo que tem de modelo de uma sadia transformação e olhar vítreo sobre o vindoiro. O contacto diário com Fernando Caló nem sempre foi fácil e os companheiros, alguns dos quais se tornaram salesianos, vivenciavam igualmente, à parte da extrema amizade que sentiam, o relacionamento difícil em determinados momentos da sua vida no ambiente das Oficinas de S. José, em especial nos momentos de futebol. E o futebol era a paixão do Fernando Caló, em sintonia com o enfoque na equipa do Sporting Clube de Portugal! “Felizmente, a direcção espiritual soube canalizar esta fogosidade em bom sentido, (…) constituiu assim para ele uma energia e riqueza incomparáveis (…).” (6) É a partir de 1953 e especialmente em 1954 que se dá uma mudança no temperamento do jovem estudante, “Ele era um rapaz que sabia levar os companheiros a comportarem-se bem.” (7) Contextualizando este período da história nacional com a dos Salesianos na conjuntura portuguesa, realça-se a presidência da república exercida pelo general António Óscar de Fragoso Carmona e o Professor António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho. No ano da morte de Fernando Caló, em 1956, exercia o cargo de Presidente da República o General Francisco Higino Craveiro Lopes; Salazar continuava como Presidente do Conselho. Na vida salesiana, destaque para o Lema (Estreia) do ano de 1956, apresentado em Turim no ano de 1955, no decorrer da Festa da Imaculada Conceição: “Educadores, alunos, antigos alunos e Cooperadores salesianos dêem a máxima importância à instrução religiosa, sustentáculo da fé e guia seguro da vida”. (8) O Diretor e Editor do Boletim Salesiano , nesta data era o Pe. Agenor Vieira Pontes, que faleceu no Brasil, em 1985, sendo Provincial durante sete anos (1949-55), (9) tendo conferido grande desenvolvimento à província portuguesa. A palavra do Provincial dos Salesianos em Portugal classifica a Estreia mencionada como “Felicíssima inspiração teve o nosso Superior na apresentação deste programa à Família Salesiana para o ano de 1956”. (10) Neste mesmo período cronológico, é de sublinhar a viagem de Pe. Renato Ziggiotti, Reitor Maior, às Antilhas, México, América Central e República Argentina. No Boletim Salesiano , no ano de 1986, (11) inclui-se o artigo – Ferrenho do futebol e apaixonado de Deus – comemorativo dos 30 anos sobre a morte de Fernando Caló, (12) e nele se traçam os dados biográficos do jovem aluno do Asilo de Santo António do Estoril e das Oficinas de S. José de Lisboa. Realce ainda para o contacto com o Pe. Renato Ziggiotti, aquando da sua visita no ano de 1953, e o recordar das palavras por este deixadas e que terão mudado o íntimo do jovem estudante: “Recomendo-vos que ameis Nossa Senhora e que recorrais a Ela como mãe. Sede amigos e imitadores de Domingos Sávio e dos Pastorinhos de Fátima”. (13) Estas robustas palavras, demudando o jovem Caló, foram simultaneamente reveladoras do forte carácter do Pe. Renato Ziggiotti, de quem se dizia, na celebração das suas Bodas de Diamante de sacerdócio, “vivia nesta terra, mas como que contemplando já os bens invisíveis”. (14) Opulentos momentos de memória a Fernando Caló realizaram-se no tempo e em diferentes espaços. Destaque para as referências indicadas pelo Pe. Ismael Matos – notar que “ Lo scrittore Bosco Gabriel in realità è don Ismaele, il confessore di Fernando, che scrive sotto pseudónimo”-, (15) conhecedor profundo da evolução de Fernando Caló e descritor de riquíssimos pequenos momentos da vida das Oficinas de S. José no final da década de cinquenta do século XX. (16) A inauguração do Lar Fernando Caló, no ano de 1959, no Porto, encontra-se publicada no Boletim Salesiano . (17) Naquela publicação, testemunha-se a dita inauguração e a enumeração da conjuntura, tomando-se conhecimento que “Compareceram no local para apresentar cumprimentos e assistir à cerimónia, o Rev.mo Sr. P. Lino Ferreira, diretor da Escola Salesiana de Maria Auxiliadora do Porto; Sr. Júlio Ferreira, presidente regional dos antigos alunos; D. Maria José Saturnino, salesianos das casas do Norte, e admiradores da Obra Salesiana”. Esta cerimónia foi presidida pelo Diretor Geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores que na mesma data presidiu ao encerramento do ano letivo do ensino Profissional, na Escola de Santa Clara, de Vila do Conde. A descrição desta inauguração surge ainda em dois exíguos parágrafos, na já citada obra O Caló , do Pe. Ismael Matos. Caló foi dirigente das Companhias da Juventude Salesiana , colaborador da revista Juvenil e do jornal o Social e secretário da Juventude Operária Cristã . Fez parte da banda das Oficinas de S. José, sendo trompetista. Provas estas evidentes do seu espírito combativo, empreendedor e resoluto no afronto dos problemas. Neste ambiente e nesse preciso momento da sua atividade, de acordo com Gabriel Bosco, (18) o jovem Caló apresenta com denodo um Domingos Sávio possante na cronologia da sua epopeia, nos difíceis tempos de então nos territórios italianos, não só no aspeto geográfico como também social e político sem deslocar o ambiente económico devastado. Biografia feita? Não é a exigência destas linhas. Muito se poderia escrever, sendo porventura voluntariamente uma redação incompleta. Retomando o desejo, formulado em parágrafos anteriores, de motivar o gosto por esta personagem, deixa-se, qual fermento, este repto de melhor conhecer mais um destacado aluno de D. Bosco que trilhou a correta vereda da vida. Em documentos coevos da data do funeral de Fernando Caló, conservados no Arquivo Histórico Pe. Amador Anjos – Casa D. Bosco, (os documentos foram publicados pelo Pe. Ismael no livro O Caló, já citado.) é possível lerem-se as palavras proferidas pelo Pe. Armando Monteiro e pelo aluno Fernando Coutinho de Almeida. Nelas se destaca a grandeza da personalidade do antigo aluno das Oficinas de S. José. Disseram, após a sua morte, os colegas sobre Fernando Caló: “Depois da sua morte, o Caló tem-me ajudado bastante, principalmente no meu comportamento”, (19) e ainda, “Fu l´alunno che maggiormente há onorato il collegio di San Giusepp, com la sua condotta. Fu il migliore fra tutti”. (20) Na festa do centenário da morte de S. Domingos Sávio, o Núncio Apostólico D. Fernando Cento enalteceu a figura de Fernando Caló, afirmando: “Felicito-vos, antes de mais nada, por haver sido educado em Portugal um fiel émulo e constante imitador de S. Domingos Sávio, o saudoso Fernando Caló”. E concluiu: “Não serão entre vós os mais inteligentes, os mais cultos, os eloquentes, que educarão outros Domingos Sávios, outros Fernandos Caló, outros Zeferinos Namuncurá: serão os que viverem uma vida interior mais intensa, que se transformará nos vossos alunos”. (21) De si afirmou Fernando Caló: “Quero ser santo. Por conseguinte, para o ser, farei como o S. Domingos Sávio, que será o meu modelo”. (22) __________________________________________________________________________ (1) Garcia, José Manuel, História de Portugal – uma visão global, Editorial Presença, Imprensa portuguesa, Porto, 1981. (2) Mocci, Giorgio, Fernando Caló – atleta del Signore , Editrice Elledici, Torino, 2006. (3) Pasquale, Umberto M., Fernando Calò , Libreria Dottrina Cristiana, Torino, 1962. (4) Bosco, Gabriel, O Caló , Edições Salesianas, Porto, 1960. (5) Apresentamos, exemplificativamente e de forma limitada, os seguintes endereços eletrónicos: https://www.salesianos.pt/em-foco/fernando-calo-chamavam-lhe-o-domingos-savio-portugues/ https://seminariointerdiocesanosj.pt/index.php/rubricas/primaveras-de-deus/559-primavera-89-fernando-calo https://issuu.com/edicoessalesianas/docs/amostra_fernando_calo (6) Bosco, Gabriel, O Caló, Edições Salesianas, Porto, 1960. (7) Bosco, Gabriel, O Caló , Edições Salesianas, Porto, 1960. (8) Boletim Salesiano , Órgão da Pia União dos Cooperadores Salesianos e das Obras e Missões de S. João Bosco, Ano XV, N.º 108-109, Janeiro/Fevereiro, 1956. (9) Boletim Salesiano , Novembro-Dezembro, N.º 174, 1985. (10) Boletim Salesiano , Órgão da Pia União dos Cooperadores Salesianos e das Obras e Missões de S. João Bosco, Ano XV, N.º 108-109, Janeiro/Fevereiro, 1956. (11) Boletim Salesiano , Julho-Agosto, N.º 378, 1986. (12) No ano da sua morte, 1956, não se encontram referências ao acontecimento, no Boletim Salesiano. (13) Boletim Salesiano , Julho-Agosto, N.º 378, 1986. (14) Boletim Salesiano , Maio-Junho, N.º 359, 1983. (15) Mocci, Giorgio, Fernando Caló, atleta del signore , Editrice Elledici, Torino, 2006. (16) Bosco, Gabriel, O Caló , Edições Salesianas, Porto, 1960. (17) Boletim Salesiano , Órgão das Obras de D. Bosco, Ano XVIII, N.º 147, Outubro, 1959. (18) Bosco, Gabriel, O Caló , Edições Salesianas, Porto, 1960. (19) Ibidem (20) Pasquale, Umberto M., Fernando Calò , Libreria Dottrina Cristiana, Torino, 1962. (21) Boletim Salesiano , Órgão das Obras de D. Bosco, Ano XVI, N.º 122, Maio, 1957. (22) Bosco, Gabriel, O Caló , Edições Salesianas, Porto, 1960.