Hoje, dia 23 de abril, celebra-se o Dia Mundial do Livro e, apesar do confinamento físico, não existe motivo para que as ideias, as palavras e as histórias deixem de fazer parte do nosso dia a dia. Assim, os alunos de Literatura Portuguesa, mais concretamente o Lucas Moniz e o Tomás Castello Branco, presenteiam a comunidade educativa dos Salesianos de Lisboa com os seus textos, pertencentes ao livro da sua própria vida pessoal e académica.
Joana Branbo | Professora
Tenho razão quando digo que os humanos não têm alma, quando digo que somos cada vez mais máquinas e menos pessoas — que a cada dia nos tornamos mais automáticos, vivendo quase por obrigação e não pensando nas nossas ações — o que não deixa de ser, no mínimo, estranho e peculiar, visto que somos pessoas e que, portanto, deveríamos viver num mundo real e não num virtual; mas ultimamente tudo tem estado virado de cabeça para baixo, tudo tem sido precisamente o contrário do que deveria ser.
E não deixa de ser estranho estarmos tão ligados a máquinas (não porque estamos infetados com Covid-19 e porque precisamos delas para respirar, literalmente), mas porque, não podendo estar com as pessoas com quem queríamos estar, não podendo fazer as coisas que considerávamos triviais— conviver com os nossos amigos, sair à rua e não temer encontrar outra pessoa (…), ir às aulas, aos treinos, ir tomar um café — enfim, tudo coisas que, há pouco mais de um mês, fazíamos sem pensar muito nelas, mas que agora nos parecem tão distantes, tão destinadas a serem lembradas como uma recordação desbotada de um passado feliz e impossível de se repetir, como uma utopia de um mundo diferente daquele em que vivemos, que me entristece profundamente a alma. E sim, tenho uma alma, apesar de ser humano, e sim, a minha alma não é nada difícil de entristecer.
Entristece-me ainda mais pensar que, mesmo tendo em conta as situação extraordinária que vivemos, fechados em casa, encontrámos nas máquinas um substituto da realidade, da vida que deve ser vivida fora dos ecrãs e que ultimamente não o tem sido para muita gente, até para mim, que não deixo de ser hipócrita e falso moralista (para variar).
Porque não é a mesma coisa ter um computador ou um telemóvel à frente do que ter uma pessoa, porque ter aulas virtuais não é a mesma coisa que vivê-las e, por mais que a tecnologia nos ajude (como me ajudou a mim, por exemplo, a partilhar este meu texto, estes meus devaneios), também nos destrói pouco a pouco: mata-nos a alma, afastando-nos do mundo real, da Natureza, do céu onde chove e nasce o sol laranja que se vai tornando amarelo ao longo do dia, mesmo quando está tapado por nuvens negras, das magnólias onde cantam passarinhos de manhã e de pastos verdes onde um cão grande guarda as suas ovelhas. E, mesmo que não possas visitar estes cenários e a Natureza porque estás fechado em casa, numa cidade de cimento e de betão, podes sempre imaginá-la, descrevê-la em poemas ou em textos, leres livros que falem dela e por aí em diante, ou seja, coisas que exercitem o teu cérebro e estimulem a tua inteligência, muito mais do que mantê-lo parado em frente a um ecrã o dia todo.
Com tudo isto, começo a interrogar-me se, num futuro não muito longínquo, não seremos todos robôs — os nossos corpos cobertos de metal; no nosso coração uma bateria incapaz de sentir emoções: incapaz de amar e de ser amada, incapaz de sofrer e de se sentir feliz e em êxtase; para além do nosso cérebro, trocado por um computador que só processa números e probabilidades — e ainda mais preocupante do que isto é quando me questiono se este processo não começou já hoje, dia dezassete de abril de 2020, lentamente, sem que nos déssemos conta.
Larguem um bocadinho o telemóvel e, se não o fizerem na totalidade, já que é complicado não estarmos com as pessoas com quem queremos estar e falar com elas virtualmente sempre alivia um pouco essa pequena ou grande dor (conforme os casos), ao menos falem com pessoas que gostem de vocês e de quem vocês gostem e tentem ser produtivos de alguma forma (lendo este texto, por exemplo) quando estão agarrados a um ecrã. Acima de tudo, não percam tempo com pessoas desinteressantes, com histórias e publicações de Instagram inúteis que só servem, em grande parte, para satisfazer a vossa fofoquice em relação à vida dos outros, para não falar em vídeos e videojogos desnecessários, porque, como já te disse num outro texto: vida só temos uma e o tempo, uma vez gasto, não volta atrás.
Aproveita-o, mesmo quando ele te parece infinito e inútil por estares de quarentena, porque nunca sabes quando ele acaba.
Tomás Castello Branco | 11 H1