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Ensinar a quem não quer
Uma das chamadas obras de misericórdia
alterou o clássico enunciado de ‘ensinar
a quem não sabe’ para outro mais
exato e mais verdadeiro: ‘ensinar a quem
não quer’. De facto, nas escolas surgem
agora alunos e alunas que não querem
aprender e que não estão dispostos a
que haja quem o faça. ‘Ensinar quem
não tem vontade de aprender é semear
um campo sem o lavrar.’
Como ensinar quem não quer aprender?

(Santos Guerra, 2003)

Eis uma das missões (im)possíveis dos professores. Ensinar a quem não quer, na escolaridade obrigatória distendida até ao Ensino Secundário é um dos maiores desafios que se coloca à ação docente.

Porque quem não quer sempre perturba a aula, ora com o tédio ostensivo, ora com a indiferença, por vezes, com o escárnio e o absoluto alheamento. E esta é também uma forma grave de abandono escondido (ainda muito pouco estudado). 

Um dos maiores desafios e um dos maiores tormentos. Pois, nessas circunstâncias, o professor vê que não toca esse ser ausente, que não cumpre a sua missão de ensinar [deve ler-se, a sua missão de fazer aprender]. Poderá, então, sentir-se profissionalmente inútil e em parte corresponsável por manifesto insucesso.

Como ensinar a quem não quer aprender?
Inquirir das razões dessa ausência, desse abandono; interpelar, insistir para que esse sujeito ausente volte ao círculo da aprendizagem, ligar a matéria à vida, fazer de cada aula uma oficina onde sempre se faça alguma coisa diferente da escuta passiva; variar estratégias, inventar desafios, expressar expectativas positivas e verosímeis, instalar um clima de confiança nas possibilidades de progresso; desatar os nós da indiferença, criar novos laços, mostrar a pertinência e relevância do que se pretende ensinar (às vezes, missão bem difícil…).

Para ensinar a quem não quer é preciso recorrer a todos os ensinamentos de todas as pedagogias, desde as mais antigas até às mais recentes. E sobretudo tecer os laços que possibilitem um trabalho docente mais colaborativo, onde as vozes dos professores e das professoras possam emergir para dizerem o que sabem, o que não sabem, o que sentem, o que precisam. Porque, face às muitas missões (im)possíveis, nós, professores, somos a única força, o único alento, (quase o) único remédio para a sobrevivência profissional. Que bom seria que soubéssemos isso. Que sentíssemos isso. Nessa altura a nossa vida começaria a ser um pouquinho diferente e melhor.

José Matias Alves