Esta viagem termina com o retorno a Lisboa “…de onde levantáramos o vôo.”

> Seara > Esta viagem termina com o retorno a Lisboa “…de onde levantáramos o vôo.”

Frederico Pimenta Quarenta e oito anos depois, no Boletim Salesiano de fevereiro de 1904, na rubrica “Noticias de aquem e alem mar”, publicou-se um texto de viagem sobre uma jornada realizada desde Lisboa a Braga, passando pelo Porto. A conclusão desta extensa narrativa encontra-se na edição do mês seguinte. O provincial era, na altura, o Pe. Pedro Cogliolo que foi um dos primeiros salesianos a chegar a Braga em 1894. Linhas convergentes ______________________________________________________ Por Frederico Pimenta Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal. Viajando… A inauguração do caminho de ferro em Portugal deu-se no dia 28 de outubro de 1856 com a ligação de Lisboa ao Carregado. Foi um marco importante pelo desenvolvimento em diferentes zonas geográficas de Portugal, emulando desta forma o nosso país com outros mais desenvolvidos da Europa. Só em 1877 se deu a chegada do caminho de ferro ao Porto (1) com a conclusão do edifício de passageiros no dia 5 de outubro de 1916. Quarenta e oito anos depois, no Boletim Salesiano de fevereiro de 1904, na rubrica “Noticias de aquem e alem mar”, publicou-se um texto de viagem sobre uma jornada realizada desde Lisboa a Braga, passando pelo Porto. A conclusão desta extensa narrativa encontra-se na edição do mês seguinte. O provincial era, na altura, o Pe. Pedro Cogliolo que foi um dos primeiros salesianos a chegar a Braga em 1894. “No dia 18 de Outubro embarcamos (eramos dois) em Lisboa no comboio das 9 1I2 da noite com destino a Braga (…) Mas eis que a locomotiva silva e começa a deitar, pelo enorme cano, baforadas de fumo e graduando a marcha até entrar no túnel, hoje iluminado a luz electrica.” (2) (3) A descrição meticulosa torna a leitura fruitiva do reflexo de outro tempo e de uma outra forma de encarar a premência de viver: a gare, as bagagens, a entrada no túnel do Rossio ou da Rabicha, (4) o surgimento cadenciado da zona de Campolide, Sete-Rios e Laranjeiras. As condições da viagem foram desgastantes pelos solavancos e congruente impossibilidade de dormir. Testemunha-se a passagem por Santarém, Entroncamento e o vislumbrar da Torre dos Clérigos. A viagem torna-se, em momentos, um elenco de paisagens, exceto no início, em que a escuridão da noite tudo toldava, mas realiza, na atualidade, o introito de uma outra viagem, aquela que nos encanta por nomes e locais de enraizamento coevos da viagem ou predestinação da presença salesiana, em Portugal, desde 1894. Neste caso, uma concretização dessa presença e uma observação de uma futura anuência. Chegados ao Porto, ressaltou-lhes o nome de Pe. Sebastião de Vasconcelos e toda a sua abnegada obra. Os viajantes não abandonaram a gare, pois “…tínhamos medo que comnosco se dessem certas scenas, que não são nada agradáveis.” (5) Estamos perante o ambiente social e político da época. O anticlericalismo fluía pelas ruas com grande torrente, fruto das ideias mais básicas da sociedade portuguesa que radicalizariam em torno da revolução republicana. Aqui se faz referência ao papel da imprensa católica, aludindo ao jornal A Palavra e a posição na defesa dos valores cristãos. No retorno da viagem a Braga, os viajantes demoraram-se um pouco mais na cidade do Porto e tomaram contacto com a realidade vivida na Oficina de S. José do Porto. “A Officina de S. José foi fundada a 18 de abril de 1880 e aberta definitivamente a 4 de Outubro de 1883.” (6) Conheceram o Pe. Sebastião Leite de Vasconcelos e puderam apreciar o seu dinamismo e o fruto da sua dedicação ao ideal salesiano, no qual foi secundado por personalidades de indiscutível valia como D. Américo Ferreira da Silva, bispo do Porto, e Francisco de Azevedo Teixeira de Aguilar, conde de Samodães. A correspondência que Leite de Vasconcelos manteve com os superiores salesianos é extensa e só D. Rua desbloqueou a vinda dos Salesianos para Portugal. A sua prática entroncava numa visita feita a Turim, sob augúrios de Leão XIII, onde tomou contacto com os Salesianos que, mais tarde, tomaram conta desta instituição, em 1909. Nesta data, o Pe. Leite de Vasconcelos já se encontrava na cidade alentejana de Beja como bispo da diocese. (7) Chegados a Braga e ao “Collegio dos Orphãos de San Caetano”, sobressai igualmente outro nome: D. Frei Caetano Brandão, (8) que fundou esta instituição de ensino em 1791. Foram recebidos pelo diretor Pe. José Maria Coelho, antigo aluno do colégio, “…com a sua amabilidade habitual.” (9) Os ambientes desta instituição, descritos com pormenor no texto da viagem, transmitem o agrado dos visitantes salesianos pelo cuidado e asseio, bem como pela existência de pátios e, no íntimo, a aplicação do carisma de D. Bosco. (10) Os Salesianos tomaram conta deste colégio em 1894, através do Pe. Pedro Cogliolo, que o recebeu, sendo diretor o padre da Companhia de Jesus, Francisco Cruz, (11) cujo processo de beatificação decorre, e o provedor Dr. António Brandão Pereira, político e magistrado que foi provedor da instituição desde 1886. A morte do segundo, em 1897, originou algumas dificuldades de orientação do colégio. Ambos tiveram grande influência na vinda da congregação para Portugal e, em especial, para Braga. A implantação da república e a expulsão das ordens religiosas puseram fim à presença salesiana. A adaptação ao estilo salesiano não foi imediata, (12) mas o passar dos anos marcou de forma muito positiva esta presença salesiana. A deambulação por Braga termina no Bom Jesus e são riquíssimas as descrições elaboradas pela novidade de quem as viveu. Igualmente o Sameiro é assomado. Esta viagem termina com o retorno a Lisboa “…de onde levantáramos o vôo.”(13) ________________________________________________________________________ (1) Na imagem que acompanha o artigo percebe-se a estação de Campanhã, cerca de 1904. (2) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Fevereiro de 1904, N. 2. Respeitou-se, na transcrição, a ortografia da época. Era um Domingo e, de acordo com o Diário Illustrado, o governo chefiado por Hintze Ribeiro enfrentava graves dificuldades governativas que conduziriam, um ano depois, à sua resignação. Diario Illustrado, Domingo 18 de Outubro de 1903, Número 11:003. (3) Em 1889, ano da sua inauguração, o estado da construção dessa via de comunicação foi relatado do seguinte modo: “O túnel de Lisboa – Deve achar-se concluído, no praso de dois mezes, o grande túnel que vae da Avenida aos arcos das aguas livres, obra que na opinião de uns representa uma necessidade, e, na de outros, um canudo d’arranjos. Seja como fôr, o túnel que mede 2:600 metros d’extensão, está apenas dependente de uns 15 metros de revestimento.” Diario Illustrado, Quinta feira 10 de Janeiro de 1889, Número 5:662. (4) Gazeta dos caminhos de ferro, 16 de Julho de 1960, número 1742. (5) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Fevereiro de 1904, N. 2. Respeitou-se, na transcrição, a ortografia da época. (6) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Março de 1904, N. 3. Respeitou-se, na transcrição, a ortografia da época. (7) Anjos, Amador, Centenário da Obra Salesiana em Portugal – 1894-1994, Lisboa, 1995. (8) No texto de viagem aqui dissecado subentende-se o nome de Liberato Freire de Carvalho, jornalista e político de relevo do século XIX, na comparação que fez das personalidades de Frei Caetano Brandão e Frei Bartholomeu dos Martyres. No Boletim Salesiano lê-se: “O fundador desta obra tão humanitária e chistâ foi D. Fr. Caetano Brandão, (…) A quem lê a sua vida, parece estar vendo a nobre figura de D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, …” (9) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Fevereiro de 1904, N. 2. Respeitou-se, na transcrição, a ortografia da época. (10) Ibidem. (11) Deste dia, referiu o Pe. Cruz: “Dia 8 de Novembro de 1894, às 8 horas. A Divina Providência concedeu neste dia grande alegria à minha alma com a chegada a Braga dos três venerandos padres salesianos – Pedro Cogliolo, José Galli e Àngelo Bergamini, pelos quais esperava ansiosamente.” In. D. Bosco – Revista das obras e missões salesianas, Ano VII, Número 60, Setembro-Outubro, 1948. (12) Cruz, Simão, “No Colégio de S. Caetano, Início da obra Salesiana em Portugal”, in Os Salesianos em Portugal 1894 – 1994, Actos comemorativos do centenário, pp. 54-55, Lisboa, 1998. (13) Boletim Salesiano, Revista das Obras de Dom Bosco, Anno III, Março de 1904, N. 3. Respeitou-se, na transcrição, a ortografia da época.