KEEGAN, o destemido!

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Hugo Almeida O potencial deste jovem que encontrei por acaso, na rua, era impressionante! Quando ele desceu de pino, visivelmente contente por se ter sentido a dominar a posição, perguntou-me qual era o meu nome. Eu disse-lhe que o meu nome estava escrito na camisola dele. Assim, era fácil ele não se esquecer. Ele chamou-me Boss…eu ri-me e disse-lhe que me chamava Hugo e que o Boss era ele. Num fim de tarde, quando fui comprar um bikini para a Mafalda, enquanto passeava na rua principal da ilha, aproveitava para tirar fotografias às pessoas que se concentravam no “pontão”, onde o peixe chega, é arranjado, preparado e depois é pesado para ser vendido e distribuído para os restaurantes e hotéis da zona. Aqui vendem-se pulseiras, fios, porta-chaves, fazem-se “bibelots”, em pedra e em madeira, fazem-se trancinhas, normalmente por mulheres senegalesas. Eu gosto de tirar fotografias aos rostos das pessoas, às suas mãos, às crianças que brincam na rua e na praia. Passei por um grupo de rapazes que estava sentado num muro, ao lado da igreja, em frente ao Bar “Calema”, onde íamos habitualmente, à noite, com os alunos e perguntei se lhes podia tirar uma fotografia. Eles colocaram-se logo em pose, mas discretamente, com o gesto das mãos característico de quem tem por lema “No stress”. Claro que tive de perguntar: “Alguém aqui sabe fazer o pino?” O da t-shirt branca da marca Hugo Boss, saltou do muro e virou-se ao contrário. Fez um pino torto, incorreto, com as pernas dobradas, com as mãos colocadas com os dedos para os lados, mas surpreendentemente andou mais de 10 metros para a frente, deu a volta e regressou sem cair! Fiquei impressionado enquanto o via a fazer o pino e apesar de todas as correções que observava, comentava com os amigos dele: “o vosso amigo é muita bom!” e eles diziam: “É…ele é destemido”! Quando desceu do pino e se pôs de pé, eu perguntei-lhe o nome. Depois de mo dizer, pedi para mo soletrar: K-E-E-G-A-N. Disse-lhe que era impressionante o que ele tinha feito! Perguntei se havia mais alguém que também conseguisse fazer aquilo, mas eles riram-se. Percebi que o Keegan era o mais destemido! Disse-lhe que igualmente difícil era não andar e ficar parado, direito, com as pernas esticadas, com os pés esticados e com os dedos das mãos virados para a frente. Antes de lhe mostrar, perguntei a um dos amigos: “Posso confiar em ti?” A mudança na expressão dele fez-me quase arrepender de lhe ter feito a pergunta. Ele respondeu com um ar sério “Pode!” E eu disse-lhe: “Claro que posso! Podes segurar na minha máquina fotográfica e nos meus óculos? Podes pô-los na cabeça, mas não os deixes cair”, pedi-lhe. E ele pô-los na cara e avisou-me que o telemóvel que me estava a sair do bolso ia cair quando fizesse o pino (coisa que me acontece com tanta regularidade, que de repente arrependi-me claramente de lhe ter pedido para ter cuidado com os meus óculos…eu é que precisava de conselhos daqueles…). Saltou do muro e guardou-me o telemóvel enquanto eu acabava a lição do pino com o Keegan. Fiz o pino e a seguir, pedi-lhe para ele fazer outra vez. Ele fez. “Endireitei-o”, alinhando-lhe as articulações, fazendo força ao esticar-lhe os pés e os joelhos e deixei-o alinhado. Aos poucos, deixei de o segurar…e ele ficou parado, com os pés e os joelhos esticados, perfeitamente alinhado, quase uns cinco segundos…fiquei impressionado outra vez! O potencial deste jovem que encontrei por acaso, na rua, era impressionante! Quando ele desceu de pino, visivelmente contente por se ter sentido a dominar a posição, perguntou-me qual era o meu nome. Eu disse-lhe que o meu nome estava escrito na camisola dele. Assim, era fácil ele não se esquecer. Ele chamou-me Boss…eu ri-me e disse-lhe que me chamava Hugo e que o Boss era ele. Demos um aperto de mão que fez barulho! A senhora que me vendeu o bikini assistiu à aula com a colega, à porta da loja em frente à igreja (sem saber, já tinha uma aula assistida, mas ainda lhe faltavam duas…). Estavam a sorrir. A aula não terá sido má. Esta cena acaba com um dos jovens a pedir-me uma moeda e comigo a dizer que não tinha moedas, enquanto me ia embora…fui-me embora a remoer, desconfortável…a pensar que, se calhar, era capaz de ter uma ou outra moeda perdida na bolsa da máquina fotográfica…ao fim e ao cabo, os rapazes até fizeram pose para a fotografia que lhes pedi para tirar; corresponderam ao meu desafio muito mais do que eu estaria à espera de ver acontecer…o jovem foi quase até ao fim da rua em pino e voltou sem cair…Cheguei quase ao fim da rua e parei para procurar se tinha, de facto, algum dinheiro. Estava a sentir-me pesado, na consciência. E afinal, até tinha duas moedas perdidas. Quando me virei para trás, eles lá ao fundo ainda me estavam a ver e perceberam tudo. Vieram logo a correr. Eu dei-as aos dois primeiros que chegaram e pedi-lhes para partilharem com os amigos, quando percebi que vinha um terceiro a correr. O terceiro, quando chegou, olhou para mim e percebeu que eu fiquei desarmado: “Não tenho mais moedas” – disse-lhe. “Não faz mal. Vai com Deus!” – respondeu-me! E foi-se embora. Eu fiquei parado uns instantes…e quando consegui reagir, já só lhe respondi em silêncio: “Vai com Deus, tu também”! E fui-me embora, a remoer, desconfortável…a digerir aquela frase que por um lado, soube-me a um verdadeiro soco no estômago, por outro, transmitiu-me uma paz tão incrível que acabou por me confortar no regresso para o hotel… Não me vou esquecer do Keegan. Nem daquela frase, nem daquela despedida. A minha filha adorou o bikini. Hugo Almeida | Professor